Draghi, a inflação, a persistência e a paciência

Na semana passada escrevi no JE sobre a política monetária do BCE e avancei algumas razões para o BCE ter cuidado na forma como tira o pé de acelerador. Mas uma das razões é difícil de explicar sem alguns gráficos à frente, por isso julguei que pudesse ser interessante detalhar um bocadinho a ideia. Na verdade, até desconfio que a ideia já estará na cabeça de Mario Draghi, e por isso a coisa funciona nos dois sentidos: serve de argumento para uma linha de acção e ajuda um bocadinho a interpretar o passado recente.

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Nas entranhas do PIB

Nos últimos tempos perdi algumas horas a analisar a recuperação económica de Portugal, que começou em 2013 e acelerou na recta final de 2016. Como não sabia muito bem o que procurar, andei a vaguear aleatoriamente pelos quadros das contas nacionais do INE, à espera de alguma coisa que me chamasse a atenção. Depois de algum tempo, lá encontrei uma.

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Uma explicação trivial (mas palavrosa) para o maior crescimento económico do milénio

O crescimento do PIB de 2,8% – o ritmo mais alto do século, como as televisões não se cansam de repetir – deixou muita gente surpreendida, algumas pessoas radiantes e outras naturalmente desgostosas. A surpresa é justificada, porque nas análises que fui lendo nos últimos tempos não havia nada que sugerisse uma aceleração tão forte. Mas penso que a ‘explicação’ para este crescimento, se é que assim lhe podemos chamar, é mais prosaica do que se presume.

A situação, aliás, traz-me à memória uma rábula de 2013, quando o desemprego interrompeu inesperadamente a trajectória de subida e desatou a descer por ali abaixo. O choque entre as expectativas e a realidade criou uma dissonância cognitiva tão grande na altura que assistimos a um longo desfiar de teorias da conspiração para provar que o desemprego “real”, ao contrário do que se pensava, não só não estava a subir como tinha na verdade estabilizado em torno dos 25%. Assim de cabeça lembro-me dos: É tudo uma questão de sazonalidade, Os desempregados estão a voltar à agricultura de subsistência (ver aqui também), O desemprego desce mas é todo precário, O IEFP está a esconder os desempregados em acções de formação (e a queimá-los na área 51), É a emigração que fez desaparecer o desemprego (ver aqui também), É o Estado que está a contratar e É tudo isto e muito mais.

Mas a verdade é que os factos eram claros e a explicação simples. O desemprego estava a diminuir porque as recessões são cíclicas por natureza, e depois de atingir os 17% era difícil fazer outra coisa que não fosse descer. O facto de o ponto de partida ser tão alto, conjugado com uma quebra estrutural na relação entre PIB e emprego (ver aqui, aqui, aqui, aqui), justificava a descida sólida e consistente do desemprego. O desemprego caiu muito pela mesma razão que o crédito aumentou imenso: porque tudo o que sobe acaba por descer.

Com as devidas adaptações, julgo que o mesmo “fenómeno” pode explicar “o maior crescimento do século” do PIB. Vejamos porquê.

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Inflação a subir. Ou a descer?

A inflação está a subir na Zona Euro. O Eurostat divulgou dados esta semana e ficámos a saber que entre Setembro e Outubro a inflação relevante (HIPC) acelerou de 0,4 para 0,5%.

Poucas pessoas embandeiraram em arco, porque 0,5% ainda está longe, muito longe, da meta dos 2%. Mas, no geral, o tom foi de consolação: estamos longe, mas estamos a aproximar-nos. E o que conta é a tendência. O i, por exemplo, escreve que:

Os números revelados ontem são (sic) proporcionando um pequeno conforto para o Banco Central Europeu (BCE), que tem uma preocupação permanente com a inflação muito baixa no bloco dos países que partilham a moeda única.

Mas seria muito sinal se o BCE se sentisse reconfortado com estes números. Isso significaria que está mais preocupado com a avaliação que os observadores desatentos fazem do seu trabalho do que com o cumprimento escrupuloso e efectivo do seu mandato.

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PIB do terceiro trimestre

Já há um valor para o PIB no terceiro trimestre. Segundo o INE, que acabou de publicar a estimativa rápida, a actividade cresceu 0,8% entre Julho e Setembro face ao trimestre anterior.

É bom? É. O PIB tem vindo a crescer entre 0,1 e 0,5% ao longo dos últimos dois anos, e tendo isto como pano de fundo claro que 0,8% é um bom resultado.

Muda muita coisa para o conjunto do ano? Alguma. Há uns dias, o Negócios compilou as previsões de curto prazo dos centros de estudos que se dedicam a acompanhar a conjuntura, e o consenso apontava para uma expansão de 0,3%. A este ritmo, a economia deveria fechar 2016 com um crescimento anual de em torno de 1%. Com estes dados, o novo best guess é algo em torno dos 1,2-1,3%1.

Isto sinaliza uma nova tendência, ou acrescenta apenas ruído? Aqui eu seria bastante prudente. Desde 2013 já houve pelo menos dois trimestres de crescimento rápido – e aqui defino ‘crescimento rápido’ como crescimento-acima-de-0,5% – e em ambas as alturas a boa performance (barras verdes) foi seguida de uma forte correcção (barras vermelhas), com o PIB a recuar.

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Veremos o que se passa no quarto trimestre. Para já, parece-me que estes valores deviam ser lidos como os anteriores: bons números que escapam a uma tendência de longo prazo em torno dos 0,3% em cadeia.

1 Como é que se chega ao best guess? É simples: assumindo taxas ‘fictícias’ para o quarto trimestre, somando aos valores do primeiro, segundo e terceiro trimestres e comparando com o valor de 2015. Neste caso, basta que o PIB estagne no quarto trimestre para o crescimento anual atingir 1,2%; e seria preciso repetir o valor de 0,8% nos últimos três meses para que o valor anual ficasse além dos 1,3%. Assumindo que no quarto trimestre nem há um descalabro nem uma performance extraordinária, 1,2-1,3% é o range mais plausível).

Desemprego: mais um trimestre a descer

O INE publicou ontem os números do Inquérito ao Emprego para o terceiro trimestre. Não foi o dia mais feliz para divulgar a coisa, porque os portugueses – e o resto dos seres humanos, no geral – estavam mais atentos ao se passava no outro lado do globo. Mas agora que o choque já lá vai (sim, estou a ser irónico) podemos voltar a olhar para o que se passa cá dentro.

Primeira boa notícia: o desemprego continua a descer. Durante alguns trimestres o mercado de trabalho comportou-se de forma um pouco errática, e chegou a haver quem antecipasse uma inversão da tendência (ver Descida do desemprego: inversão de ciclo? e Desemprego: no meio do ruído há qualquer coisa a mexer). Felizmente, os números do terceiro trimestre confirmam aquilo que escrevi na altura: era apenas ruído a confundir a análise.

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Pouco PIB, muito emprego

O que se passa com o mercado laboral em Portugal? No fim-de-semana, até o ministro do Trabalho assumiu que há alguma coisa que lhe está escapar:

Aprendi nos livros que a economia tinha de crescer a 2,5% para que aumentasse o emprego. [O aumento das contribuições] não é muito compatível com um crescimento tão baixo esse é o mistério.

Os livros de economia em causa podem estar um pouco desactualizados. Em Portugal, pelo menos, há muitos anos que se regista crescimento de emprego sem que o PIB cresça acima dos 2,5%. A Lei de Okun, que relaciona a variação da actividade (eixo dos xx) com a variação do número de postos de trabalho (eixo dos yy) sugere que a partir de um crescimento de 0,8% já se nota qualquer coisita no mercado laboral.

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Aqui entre nós que ninguém nos ouve

O Bruno Faria Lopes escreveu um excelente texto no Negócios (mais um), a chamar novamente a atenção para um problema que passa frequentemente longe do radar da imprensa nacional: a percepção cada vez mais negativa que ‘lá fora’ se vai fazendo de Portugal. Vale a pena ler o artigo todo e passar os olhos pelas manchetes que o Bruno compilou, o que o leva a escrever que:

São intervenções cheias de “ses”, que misturam realidade, preconceito e interesse próprio? Em parte sim. Mas, no final do dia, isso interessa pouco. A cadência impiedosa destas notícias e análises é um sinal preocupante da consolidação de uma história, de uma “narrativa” sobre Portugal. O contraste entre esta e o ambiente político no país é grande – e o problema maior de percepção está no lado que mais tem a perder, ou seja, cá dentro.O BCE anestesia o mercado e Portugal paga hoje só 3% a dez anos para se financiar? Sim, Mario Draghi tem a mão em cima da tampa. Mas lá dentro, na panela, vai fervendo um caldo cada vez mais tóxico.

Eu acrescentaria duas coisas. A primeira é que estes sinais começam a complementar-se com outros, que não me deixam mais confortável – em particular, a tendência para desconsiderar os alertas como chantagem externa, ou como sinal de uma enorme conspiração (com jornalistas colaboracionistas e tudo) para pressionar o Governo a fazer alguma coisa diferente. Há em tudo isto um cheirinho a 2010 que, com as taxas de juro em 3,3%, era perfeitamente  dispensável.

A segunda coisa a acrescentar é que os receios de que se ouve falar têm uma tradução mais concreta e palpável do que apenas um punhado de notícias na imprensa internacional. Vejamos porquê.

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Emprego: comparações alternativas

O Inquérito ao Emprego do segundo trimestre, divulgado ontem pelo INE, confirmou os resultados globais dos números mensais – ou, pelo menos, dos números mensais revistos, (já que os valores preliminares não pareciam grande coisa). O número de desempregados caiu, o número de empregos aumentou, e a taxa de desemprego recuou. Tudo normal, tudo esperado e tudo boas notícias.

O passo seguinte é perceber quão boas são as notícias, porque convém ter uma ideia da magnitude da criação de emprego. E porque, enfim, bem lá no fundo todos gostamos de ler aquelas notícias a comparar o número de empregos que cada Governo criou num certo período de tempo. Por exemplo, o Carlos Guimarães Pinto faz aqui uma comparação do volume de criação de emprego, concluindo que “se os números do emprego do 2º trimestre são indicadores de alguma coisa é de que a economia está a desacelerar e de que está a ser perdida capacidade de criar emprego”.

O tipo de comparação faz sentido, mas acho que é mesmo preciso levar em linha de conta o factor ‘programas ocupacionais’. As oscilações do número de pessoas ocupadas foram tão grande ao longo dos últimos anos que afectam decisivamente os números do emprego, independentemente dos períodos e termos de comparação. É por isso que nos últimos tentei, sempre que possível, limpar este factor da análise do emprego. Este não é um factor menor.

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Portugal: a taxa de poupança mais alta de sempre

Os leitores mais atentos à imprensa económica já devem saber que as famílias portuguesas estão a poupar cada vez menos. Aliás, estão a poupar tão pouco que até já gastam mais em consumo do que o que ganham em rendimento. Como se lia no Expresso de há umas semanas:

Não é novidade que a reduzida poupança das famílias é um motivo de preocupação para a economia portuguesa, aflita em financiar o investimento e em garantir a sustentabilidade da dívida. De facto, a taxa de poupança das famílias portuguesas, que superava a casa dos 20% do rendimento disponível nos anos 80, caiu para metade com o processo de convergência para adesão ao euro nos anos 90 (…) Mas neste primeiro trimestre de 2016, o problema ganhou uma nova dimensão. De acordo com as estatísticas do INE, a questão já não está no facto dos portugueses pouparem cada vez menos, muito pouco quando comparados com os parceiros do euro. A questão agora é que a poupança não só desapareceu como é negativa.

Há dois problemas com este raciocínio. E não é que sejam novos – mas como o blogue anda parado…

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