A descida da taxa de desemprego ao longo dos últimos dois trimestres foi surpreendente e gerou, compreensivelmente, vários comentários. Aflorou-se a possibilidade de ter havido influência da emigração, da sazonalidade e até de alguma idiossincrasia estatística. Nenhuma das hipóteses tem suporte nos dados (ver aqui). Recentemente, surgiu uma nova ideia (fonte: Ladrões de Bicicletas):
Mais grave ainda é o tipo de emprego que está aqui em causa. Quando olhamos para a duração da semana de trabalho dos tais 120 mil empregos criados verificamos que o grosso dos novos empregos refere-se a actividades que ocupam entre 1 e 10 horas por semana. Isto não é emprego, é desespero.
Tirando esse grupo, o emprego só cresce, e pouco, para atividades de duração superior às 40 horas, ultrapassando assim os limites estabelecidos na lei para o horário normal de trabalho desde há quase 20 anos.
Pelo contrário, o emprego caiu significativamente para horários mais próximos da duração normal: ao longo de 2013 foram destruídos em termos líquidos mais de 310 mil empregos com duração entre 30 e 40 horas semanais.
Estes números pareceram-me estranhos porque, quando saíram os dados do INE, perdi algum tempo a analisar o tipo de empregos criados. Os dados relativos aos salários mostravam que tinha havido destruição líquida de empregos com salários baixos (inferiores a 600€), e que era precisamente no segmento salarial médio/alto que o volume de postos de trabalho mais tinha crescido (ver gráfico aqui). Os dois indicadores não batem certo, na medida em que não é plausível que empregos de 1 a 10 horas semanais garantam salários superiores a 600€. O que é que está errado?
Antes de mais, chamo a atenção para um valor curioso. A criação líquida de emprego entre o 1º e o 3º trimestre foi de cerca de 120 mil postos de trabalho. A desagregação do emprego por ‘horas trabalhadas’ mostra, porém, que foram criados mais de 400 mil empregos de ‘horário baixo’ – o que implica uma destruição de emprego brutal em todos os segmentos de horários normais (de modo a que o total totalize os tais 120 mil – ver imagem acima). Este facto aberrante, só por si, devia fazer soar algumas sirenes.
Para perceber o que está em causa, apresento em baixo uma série mais longa com o número de empregos de horário baixo (1 a 10 horas):
É agora mais fácil perceber o que se passa. O número de empregos de ‘horários curtos’ disparou no terceiro trimestre (face ao primeiro) porque é isso que acontece sempre. Em Julho, Agosto e Setembro, a sazonalidade faz com que a duração semanal efectiva de trabalho seja inferior. Não há nenhuma novidade. Durante as férias, o trabalho é menor. Outra forma de ver a questão:
O Inquérito ao Emprego pergunta aos inquiridos não apenas a duração semanal efectiva de trabalho – que, naturalmente, oscila ao longo do ano – mas também a duração semanal habitual de trabalho. Como a jornada de trabalho típica tende a ser fixada por contrato, esta será, em princípio, muito menos volátil. E, essa sim, poderá ser utilizada de forma mais apropriada como barómetro da natureza dos empregos que estão a ser criados (part time, full time, etc.). O resultado é o seguinte.
Um pequeno comentário final. As estatísticas económicas são imperfeitas e é saudável que sejam analisadas ao detalhe. Este cepticismo faz ainda mais sentido caso as indicações dadas por algum dado entrem em choque evidente com a informação proveniente de outras fontes – como aconteceu no segundo trimestre, antes de se saber que o PIB tinha registado um crescimento recorde (“um palpite conservador é que tudo não terá passado de uma mistura exótica de sazonalidade, algum evento único no sector agrícola e volatilidade natural do mercado de trabalho”) .
Mas, neste momento, praticamente todos os indicadores de conjuntura apontam no mesmo sentido: do PIB aos índices de confiança, passando pelo comércio internacional e por indicadores coincidentes, tudo sugere que a actividade económica está a melhorar de forma clara. Neste contexto, estranho seria que o emprego não melhorasse. Não quer dizer que não haja nada de interessante escondido nos confins do Inquérito ao Emprego; apenas que essa busca incessante será, provavelmente, pouco produtiva.
P.S.– Para que fique tudo transparente: é óbvia a divergência de valores entre as duas ópticas do horário semanal (trabalho efectivo versus trabalho habitual) – os valores, pura e simplesmente, não são os mesmos. Mas o ponto do post é apenas mostrar que nenhuma das ópticas justifica a ideia de que a criação de emprego está a ser feita via empregos de 1 a 10 horas semanais. Como é óbvio, a questão da divergência dos dois indicadores é um problema interessante, que deixo para quem dominar melhor os rudimentos do Inquérito ao Emprego.
É sempre refrescante ver post bem elaborado. O sentimento com que fico é de manter a apreensãoo quanto ao futuro do emprego. Na UE só a Alemanha desceu o ano da reforma – que julgo criará mais vagas para quem mais precisa de emprego, para iniciar saudavelmente a vida familiar e economica.
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[…] em relação a esta suposta manipulação estatística que afinal não o foi, convém ler este artigo do Pedro Romano, no Desvio Colossal, que explica de forma mais clara o que tentei expôr […]
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O que acha o Pedro Romano de mais esta “teoria”?
http://www.jralmeida.com/2014/01/13/cgtp-fornece-mais-um-dado-sobre-a-descida-da-taxa-de-desemprego-do-eurostat/
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Assim à primeira vista, parece-me que os valores de 2013 são demasiado pequenos para explicarem uma fracção significativa da variação do emprego. Neste caso, a mistura de escalas [milhares de empregos vs % do desemprego] induz em erro.
P.S.- Estando nisto há algum tempo, também diria que a escolha do período não é inocente. A minha suspeita é que a subida do número de “empregos IEFP” já estaria a subir bastante desde 2011, mas que essa subida foi ocultada para reforçar a tese de que o desemprego só desce porque o IEFP dá mais empregos.
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