Algo estranho a passar-se nos EUA

Lembram-se desta imagem, que referi em EUA, terra de oligopólios? É de um estudo de Phillippon, Dottling e Gutierrez, que tenta tomar o pulso à evolução da concorrência na economia americana. O panorama não é dos melhores.

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O Índice de Herfindahls e a quota de mercado das maiores companhias, claro, não são métricas directas do grau de concorrência. São apenas medidas da relevância das grandes empresas – algo que se presume influenciar o poder de mercado de cada player e, portanto, condicionar a concorrência. Mas medir directamente a concorrência é coisa que não é fácil fazer.

Bom, sucede que  entretanto surgiu um estudo muito interessante que espreita para dentro da estrutura de custos das empresas americanas para, na medida do possível, comparar custos marginais com preços de venda. A ideia é depurar uma métrica aceitável da concorrência entre empresas nos EUA, tão fiel quanto possível à definição utilizada em microeconomia 1.01: mark-ups tão pequenos quanto possíveis.

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Mistérios da produtividade

No âmbito de um pequeno projecto em que estou inserido tenho estado a compilar dados sobre a produtividade portuguesa nas últimas décadas. A coisa habitual: pegar no PIB de cada país, ajustá-lo pelas paridades de poder de compra e comparar as séries ao longo do tempo. Com um pequeno ingrediente secreto, que está disponível na OCDE, mas a que nem toda a gente deita a mão: em vez de dividir o PIB pelo número de trabalhadores, divido-o pelas horas trabalhadas.

Uma das coisas que saltam à vista na análise comparada é a enorme estabilidade da produtividade nacional ao longo das últimas três décadas. De 1980 para cá já houve três resgates, um choque petrolífero, uma mudança de moeda, Governos do PSD, Governos do PS e Governos do PSD com o CDS. Mas a produtividade relativa pouco muda. Andamos sempre ali entre os 50 e os 55% das economias mais produtivas.

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Inflação atinge os 6%

Calma, não é essa inflação. A inflação medida pelo Eurostat está mesmo abaixo da meta, a rondar 0s 0,5%. E com tendência para descer – pelo menos se olharmos para onde devemos olhar, que é para a core inflation.

Mas se perguntarem a um europeu qual é a sua percepção, então 6% é provavelmente a resposta que vão obter. A Comissão Europeia fez um estudo acerca de percepções e realidade, e concluiu que, apesar de não passaram completamente ao lado dos preços que pagam nas lojas, os europeus avaliam a inflação em níveis sistematicamente acima dos valores registados nos dados oficiais.

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Perceber o Nobel de 2016

Infelizmente, o Nobel não foi exactamente para quem eu gostaria que tivesse ido. Os vencedores acabaram por ser Oliver Hart e Bengt Holmstrom, pelos seus contributos para a teoria dos contratos.

Eu tenho uma ideia do que é a teoria dos contratos, mas confesso que nem conhecia estes dois, tal como também não conhecia os vencedores de 2007 ou de 2012 – e do Jean Tirole, enfim, ‘já tinha ouvido falar’. Talvez a economia esteja a entrar rapidamente no território dos rendimentos marginais decrescentes, e a notoriedade dos vencedores acabe por reflectir isso mesmo. Ou talvez seja só de mim, que não ligo muito à microeconomia.

Em todo o caso, e para quem quer saber por que é que o Nobel foi para quem foi, o Economist’s view tem hoje uma excelente compilação de textos acerca do trabalho de Hart e Holmstrom. Há dois especialmente interessantes: o de Noah Smith, na Bloomberg – An Economics Nobel for examining reality – e The performance pay Nobel, no Marginal Revolution. Que explica de maneira simples o que é que tudo isto significa e de que forma é que a investigação de Hart e Holmstrom se liga a um dos grandes temas do nosso tempo: a remuneração dos CEO.

Holmstrom’s work has lot of implications for structuring executive pay. In particular, executive pay often violates the informativeness principle. In rewarding the CEO of Ford for example, an obvious piece of information that should used in addition to the price of Ford stock is the price of GM, Toyota and Chrysler stock. If the stock of most of the automaker’s is up then you should reward the CEO of Ford less because most of the gain in Ford is probably due to the economy wide factor rather than to the efforts Ford’s CEO. For the same reasons, if GM, Toyota, and Chrysler are down but Ford is down less then you might give the Ford CEO a large bonus even though Ford’s stock price is down. Oddly, however, performance pay for executives rarely works like a tournament. As a result, CEOs are often paid based on noise.

The basic framework has since been applied in many different circumstances because principal-agent can be interpreted in many different ways employer-worker, teacher-student, regulator-banker and so forth. Thus the basic insights have been reflected in a wealth of applications each of which adds to the body of theory.

Para que serve a propriedade intelectual?

Bom, o título é um pouco exagerado. Todos sabemos para que serve a propriedade intelectual (PI). A PI serve para fomentar a inovação através da criação de um mercado que de outra forma não existiria. Por exemplo, a concessão de uma patente faz com que uma determinada inovação possa ser apropriada por alguém. Sem a patente, a inovação poderia ser usada por qualquer um, e ninguém teria incentivos para a produzir. Neste sentido, o sistema de patentes incentiva a inovação.

Esta é a justificação de manual, e poucas pessoas discordam dela. Mas as coisas ficam um pouco mais complicadas quando se começa a discutir os detalhes concretos da implementação do sistema. Faz sentido que os herdeiros de Martin Luther King possam bloquear a utilização do discurso ‘I have a dream’ em filmes? Este tipo de garantias estimula a inovação ou alimenta comportamentos rentistas?

Penso que a questão dos limites exactos da lei sempre foi controversa, mesmo entre os mais acérrimos defensores do direito à propriedade privada (por exemplo, Friedman). Mas como não havia dados, nunca ninguém se preocupou muito com a questão.

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Reformas estruturais na economia portuguesa

Imagine o leitor que quer saber o que é  que as reformas estruturais fizeram pela economia portuguesa nos últimos anos. Como é que pode descobrir?

Uma possibilidade é elencar todas as medidas tomadas desde 2010 e ver o impacto que alterações semelhantes tiveram noutros países sempre que foram implementadas de maneira parecida. A parte boa desta abordagem é que o trabalho de compilação já foi feito pelo FMI, pela Comissão Europeia e pela OCDE. A parte má é que se seguir por esta via acabará por encontrar conclusões tão fragmentadas, dispersas e contraditórias que terá inevitavelmente de aplicar uma grande dose de julgamento pessoal para escolher os resultados mais relevantes e fazer paralelos a partir daí. No final, é provável que as conclusões acabem por reflectir muito mais o cherry-picking do leitor do que um processo aturado e sistemático de revisão bibliográfica.

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A superioridade dos economistas

Um paper sobre sociologia da economia está a dar que falar. The superiority of economists argumenta (de forma persuasiva) que:

Economists also distinguish themselves from other social scientists through their much better material situation (many teach in business schools, have external consulting activities), their more individualist worldviews, and in the confidence they have in their discipline’s ability to fix the world’s problems. Taken together, these traits constitute what we call the superiority of economists, where economists’ objective supremacy is intimately linked with their subjective sense of authority and entitlement. While this superiority has certainly fueled economists’ practical involvement and their considerable influence over the economy, it has also exposed them more to conflicts of interests, political critique, even derision.

Já houve tanta gente a falar sobre o assunto que o Bruegel fez um apanhado dos contributos. Fica aqui para quem quiser seguir o assunto.

O extraordinário mundo dos organismos europeus

Em Setembro de 2014, Mario Draghi anunciou a intenção do BCE de alargar o arsenal de medidas de política monetária para ‘reflacionar’ a Zona Euro. O discurso tinha, porém, algumas partes mais sinistras, entre as quais a ideia de que o activismo do banco central seria ineficaz caso não fosse devidamente apoiado por reformas estruturais.

A verdade é que as reformas estruturais estão habitualmente associadas a uma inflação mais baixa, e não mais alta – pelo que o conselho, se levado à letra, poderia acabar por reforçar, em vez de combater, as pressões deflacionistas em curso. Na altura, muita gente notou que o rei ia nu (embora provavelmente houvesse boas razões para isso).

Entretanto, a Comissão Europeia tratou de estudar o assunto de forma mais rigorosa. Em Structural Reforms at the Zero Lower Bound, os economistas da Comissão analisam o impacto das reformas estruturais num cenário de taxa de juro zero e concluem que:

The policy implication of the analysis is that recent warnings of adverse effects from structural reforms at the current juncture appear to overemphasise potential short-term costs. While it is certainly true that an accommodative monetary policy stance would facilitate the adjustment in “normal times”, reforms at the ZLB do not appear to imply significant short-term costs in terms of aggregate economic activity. Furthermore, the results also suggest that, even in the case of fully credible pre-commitment, postponing reforms is no better alternative.

A conclusão resulta, aparentemente, da simulação do impacto macroeconómico que teria a redução de um ponto percentual do ‘mark up’ do sector não transaccionável (na prática, um ‘aumento de concorrência’ com efeito nos preços).

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A tabela expressa resultados em ‘desvios’ face ao cenário base. Por exemplo, uma reforma estrutural semelhante à que é modelizada faria com que o PIB dentro de 10 anos fosse 0,57 pontos percentuais superior ao que seria no ‘cenário sem reformas’. (E pode não ser completamente óbvio à primeira vista, mas um ‘menos’ antes do número reportado significa mesmo um valor negativo.)

Há algo de perturbador em tudo isto. O discurso oficial do BCE é que a política monetária só funciona com reformas estruturais, uma bizarria macroeconómica que não me recordo de alguma vez ter visto noutro lado. Os estudos conhecidos não só não suportam essa ideia como até indicam que, no curto prazo, o impacto económico destas reformas, a existir, será tendencialmente negativo no PIB (ver a primeira coluna); e que, a longo prazo, acabariam por acentuar a descida dos preços – precisamente o problema que se está a tentar evitar (ver última linha, do ‘GDP deflator’).

Este não é propriamente o tipo de estudo que os partidários das reformas estruturais deveriam ter interesse em difundir. Mas, por alguma razão difícil de compreender, parece que uma contracção do PIB no primeiro ano e uma inflação permanentemente mais baixa daí em diante são razões suficientes para concordar com o BCE na tese da ‘indispensabilidade das reformas’. Dá vontade de citar Paul Krugman: “To see this as a triumph of structural reform requires preconceptions so strong it’s hard to see why you would even bother looking at data”.

Reformas estruturais na periferia

A Comissão Europeia publicou recentemente um estudo sobre o impacto efectivo das reformas estuturais nas economias da periferia europeia – Market reforms at work: in Italy, Spain, Portugal and Italy.

Um problema habitual neste tipo de estudos é que pura e simplesmente não é fácil tomar pulso ao volume de reformas estruturais implementadas (quanto mais associá-las a outputs concretos). O paper da Comissão merece destaque porque tenta contornar este problema através de uma análise cuidadosamente detalhada – para cada área de reforma são encontrados indicadores microeconómicos, que se associam posteriormente a uma série de ‘canais de transmissão’ e resultados efectivos (taxas de mortalidade de empresas, por exemplo). Não é o ideal, mas é provavelmente o melhor que se consegue fazer neste domínio.

A ideia global é que Espanha tem conseguido retirar alguns benefícios das reformas estruturais. Portugal também não aparece mal no quadro geral, mas a evidência, neste caso, não é tão forte. Itália parece estar numa situação semelhante. Quanto à Grécia… a Grécia é um caso mais complicado (mas não por falta de esforço).

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Reforms undertaken have a potential significant impact. The full effect of the reforms may not yet be visible but an assessment of their potential effect, for a selected number of reforms, suggests that the gains are expected to be significant (…) Most countries have implemented reforms whose expected outcome is a favourable one – e.g. fostering business dynamics and allocative efficiency, attracting FDI, reducing excessive profits and increasing productivity. Nonetheless, while most reform areas are common across countries, some discrepancies emerge in terms of reform effort and consequent predicted effect on relevant economic outcomes. In some cases, observed trends in policy/monitoring variables even go in another direction than the desirable one. In other cases, the unavailability of data does not allow to estimate the impact of reforms – even if they have been implemented.

Curvas de indiferença comportamentais

A economia comportamental já aí anda há uns anos, mas até agora tem sido encarado mais como uma compilação dispersa de descobertas interessantes do que propriamente como uma parte integrante da teoria económica mainstream. Mas isso está a mudar e pode ler-se, no Vox, uma proposta para começar a incorporá-la na microeconomia: Sticky prices and beahavioural indifference curves.

According to conventional indifference curve diagrams, when deciding between two goods – say, food and clothing – it is as though we’ve never consumed them before. Thus, we are assumed to come to the problem in a pristine state, without indicating the amount of the goods in question we consumed in the prior period or are adapted to. However, this is contradictory, because if we have not consumed these items before, how are we supposed to know how much utility we should expect from them?

Hence, the customary indifference curve depends on the implicit assumption that choices along indifference curves are reversible. That is, if an individual owns x and is indifferent between keeping it and trading it for y, then when owning y the individual should be indifferent about trading it for x. If loss aversion is present, however, this reversibility will no longer hold (Knetsch 1989, Kahneman et al. 1991). Knetsch and Sinden (1984) were the first to point out that the standard assumption pertaining to the equivalence of losses and gains is contradicted by the experimental evidence.

(…)

In sum, behavioural indifference curves are relative to a reference point. The endowment effect implies that people are willing to give up an object only at a higher price than the price at which they are willing to buy it, i.e. it is psychologically more difficult to give up an object than to acquire it. This changes the shape and properties of the indifference map, which has far-reaching implications not only in classrooms, but also in applied areas such as the evaluation of welfare states and the stickiness of economic variables such as wages, prices, and interest rates (Knetsch et al. 2012). This salient issue ought no longer to be ignored, and needs a much wider research agenda than hitherto allotted to it at the margins of the discipline.

Even at this stage it is important to incorporate behavioural indifference curves into the curriculum and stop teaching outdated concepts. If you think that behavioural indifference curves would be too complicated for beginners then I would urge you not to teach the conventional ones until the students are ready for the current version, because one should not mislead students by teaching inappropriate concepts. If the straight-talking Nobel-prize-winning physicist Richard Feynman (1918–1988) were still with us, he would concur with this view. In his famous 1974 commencement address at the California Institute of Technology, he beseeched the graduating class to practice scientific integrity, utter honesty, and to lean over backwards so as not to fool themselves (and of course others) (Feynman 1985). I believe that the same is true for us – teachers of economics, it is time to start leaning over backwards and to stop teaching the standard indifference curves.