Draghi, a inflação, a persistência e a paciência

Na semana passada escrevi no JE sobre a política monetária do BCE e avancei algumas razões para o BCE ter cuidado na forma como tira o pé de acelerador. Mas uma das razões é difícil de explicar sem alguns gráficos à frente, por isso julguei que pudesse ser interessante detalhar um bocadinho a ideia. Na verdade, até desconfio que a ideia já estará na cabeça de Mario Draghi, e por isso a coisa funciona nos dois sentidos: serve de argumento para uma linha de acção e ajuda um bocadinho a interpretar o passado recente.

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O que vai acontecer quando as taxas de juro subirem?

O que vai acontecer quando o BCE (e o resto dos bancos centrais das economias avançadas, by the way) começar a subir as taxas de juro? Há um novo policy paper acerca dessa questão, publicado pelo Peterson Institute e assinado por Olivier Blanchard: Will rising interest rates lead to fiscal crisis?.

Poupando-vos à trabalheira de clicar no link e fazer scroll-down até ao fim, faço uma súmula da resposta provisória das conclusões: apesar de ser improvável, não é impossível. Mas – e este mas é importante – não é bem pelas razões que a maioria das pessoas pensa.

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Juros a descer. E não sei se já repararam, mas…

Há alguma coisa a passar-se com as taxas de juro portuguesas. Não sei se todos repararam, mas no último mês aconteceu isto com as yields das obrigações a 10 anos (fonte: Bloomberg).

Sem Título

Isto foi no último mês. A tendência de descida, porém, vai um pouco para lá de 19 de Abril. As condições financeiras parecem estar a melhorar mais ou menos desde o início de Fevereiro, quando os juros atingiram os 4,244%. A partir daí foi sempre a descer, e se excluirmos a subida ‘técnica’ de meados de Março (causada pela mudança de benchmark nos terminais da Bloomberg e da Reuters), então a redução acumulada da yield já vai nos 1,3 pontos percentuais.

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O que significa “financiamento monetário dos défices”?

De há umas semanas para cá que tenho perdido algum tempo a espreitar o programa de compra de activos do BCE, sobretudo na parte que diz respeito ao sector público. E nas análises que fui lendo há um termo que aparece recorrentemente: “financiamento monetário dos défices”. O que me fez pensar um bocado acerca do que é que é suposto estar encapsulado neste conceito, porque me parece menos óbvio do que se julga.

A Wikipédia define o financiamento monetário dos défices como:

Debt monetization is the financing of government operations by the central bank (…) The central bank may purchase government bonds by conducting an open market purchase, i.e. by increasing the monetary base through the money creation process. If government bonds that have come due are held by the central bank, the central bank will return any funds paid to it back to the treasury. Thus, the treasury may “borrow” money without needing to repay it.

O meu problema com esta definição é: se consideramos que isto é “financiamento monetário dos défices”, então será que o “financiamento monetário dos défices” não é a coisa mais corriqueira e habitual da actividade de um banco central, uma actividade que acontece em todos os países, em todas as décadas e ao longo de todos os ciclos económicos? E será que isso não a torna, enfim, banal e trivial, sem grande relevância ou importância prática?

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O repetitivo Mario Draghi

É difícil ser banqueiro central por estes dias, sobretudo na Zona Euro. Uma boa parte do trabalho, como sabemos, é feito através da gestão de expectativas: conduzir a política monetária de modo a afectar aquilo que os agentes económicos acham que vão ser as condições financeiras de médio e longo prazo. Mas como é que se convence as pessoas de algo de que elas não queiram ser convencidas?

Em particular, o que pode fazer um banco central perante uma audiência que parece obcecada pela subida dos juros, ignorando todos os sinais que a tornam improvável e salivando de cada vez que aparece um pretexto para a justificar? Não há uma solução fácil. A opção, até agora, tem sido repetir o óbvio, na esperança de que martelando mais vezes a coisa acabe por entrar. Depois do primeiro esclarecimento, Draghi deixou hoje mais um.

Yet despite these signs of progress, it is clearly too soon to declare success. In important ways the outlook for price stability remains unchanged. In particular, while growth and employment rates have been converging upwards across the euro area, significant gaps still remain in terms of levels. In large parts of the euro area there are still substantial under-utilised resources, reflected in a negative output gap and high unemployment rates.

And this is of course crucial for our assessment of the path of inflation – namely, whether we see a sustained adjustment that would warrant a scaling back of our exceptional degree of monetary policy accommodation.

(…)

For us to be confident in the second criterion – that inflation is not just converging towards our aim, but stabilising around it – we would need to see signs of such pressures building. But there is so far scant evidence of this.

Much of the increase we have seen in headline inflation in recent months has been driven by its volatile components. Of the 1.4 percentage point rise from November last year to February this year – when inflation peaked at 2% – more than 90% was explained by energy and food price inflation. Measures of underlying inflationary dynamics, by contrast, remain subdued. One such measure, HICP excluding food and energy, has hovered around 0.9% since mid-2013 and still shows few convincing signs of an upward trend. Most alternative measures are also sluggish by historical standards and show little movement towards our aim.

An important source of subdued underlying inflation trends has been weak domestic price pressures, driven partly by subdued wage growth. Despite the domestic nature of the recovery, annual wage growth in terms of compensation per employee reached the historical low of 1.1% in the second quarter of 2016. Wage growth has since recovered somewhat – rising to 1.4% by the end of last year – but remains well below historical averages. This is where the issue of levels comes in – that is, the significant degree of labour market slack.

Draghi também toca num tópico importante, que já foi referido por Janet Yellen: a possibilidade de a própria capacidade produtiva potencial responder às condições de procura da economia. Mas em relação a isso não convém ser muito específico, porque as implicações de levar essa ideia a sério poderiam ser dramáticas:

Labour market slack will lessen as unemployment continues to fall, but it is unclear how quickly this will feed through into wage dynamics – especially if the experience of other advanced economies is instructive. A strengthening labour market may attract “marginally attached” workers back into the labour force, or encourage those “underemployed” to seek more hours, causing the effective supply of labour to rise in tandem with demand. Domestic wage pressures may therefore only materialise later in the economic expansion

Inflação: de volta à estaca zero?

É engraçado como estas coisas funcionam de forma assimétrica. Há uns tempos, o Eurostat divulgou que a inflação headline atingiu a meta do BCE (2%) e não houve jornal que não fizesse um splash com o inevitável “preços atingem meta do BCE”. Mas agora o Eurostat divulga estes números e quase ninguém dá por ela.

E isto é incompreensível, porque aquilo que o Eurostat nos diz agora é muito, muito mais relevante do que aquilo que nos disse em Fevereiro, quando a variação do índice de preços supostamente “atingiu a sua meta”. Em Fevereiro, o IPC acelerou para um nível transitoriamente elevado, devido à subida do preço dos combustíveis, desvio temporário que o BCE podia ignorar (como de facto ignorou). No mês de Março, por outro lado, a inflação core abrandou e anulou praticamente toda a convergência para o objectivo que tinha sido feita nos meses anteriores.

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E se o BCE estiver de mãos atadas?

Este post está no arquivo como draft há muito tempo. Em parte por falta de oportunidade: tenho tido pouco tempo para escrever. E em parte, admito, por falta de interesse em ser considerado doido varrido. Há algumas ideias pouco convencionais que não me importo de expressar em público, sobretudo se estiverem suficientemente fundamentadas para ter a certeza de que posso confirmar em pouco tempo que escolhi o cavalo certo (como aqui, por exemplo). E depois há as outras. Como esta.

Deixado o alerta, aqui vai: será que o Quantitative Easing baixa ou sobe as taxas de juro?

Calma, não deixem de ler já. Eu também sei o que todos sabemos: que é este programa especial do BCE que mantém alguns países periféricos à tona da água, e que sem o QE já teria havido novos resgates. Mas vamos imaginar por um momento que não lemos isto em todos os jornais nacionais e internacionais ao longo dos último ano e meio. Se pusermos a memória recente em banho-maria e olharmos para os dados com algum espírito livre de certeza que ficaremos com menos certezas.

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Ainda na cabeça de Draghi

Ali num post abaixo sugeri que, tendo em conta a experiência histórica, não é de esperar mudanças na orientação da política monetária pelo menos até ao final de 2018. Esta também foi mais ou menos a mensagem do próprio Mario Draghi na última conferência de imprensa, que usou argumentos parecidos para sossegar as almas mais inquietas.

Mas de onde vem esta ideia? Bom, não sei como é que Draghi a justifica no Conselho de Governadores. Mas, no meu caso, é muito simples: há uma relação estatística entre desemprego e inflação – e, conhecendo essa relação, é possível ‘prever’ mais ou menos onde é que o mercado laboral tem de estar para que os preços se encaminhem para onde o BCE quer que eles estejam.

E o número calculado, feitas as contas, é 8,5%. Só quando o desemprego aí chegar é que o BCE pode dormir descansado. Como estamos ainda muito longe desse nível (um high-class problem, como Draghi), não há razões para esperar subidas de juros nos próximos tempos.

Ok, agora reparem numa coisa. Na minha estimativa usei dados de 1998 a 2015 – o ano de 2016, que agora mesmo acabou, ficou fora da amostra. Mas podemos usar a estimativa que calculei na altura para aplicar à taxa de desemprego que se verificou em 2016. Calma, não se confundam. O objectivo é perceber qual é a taxa de inflação que o desemprego que se verificou em 2016 nos devia levar a esperar, tendo em conta a relação histórica entre uma e outra.

E a resposta é: 1,14%.

Mas foi esta a inflação subjacente reportada pelo Eurostat? Nope. A inflação medida ficou abaixo dessa estimativa: rondou os 0,8%. A inflação subiu muito menos do que seria de esperar.

O que significa isto? Que a descida do desemprego está a ser menos eficaz do que se esperava para empurrar para cima a inflação. Em suma, o BCE terá de fazer mais do que se pensava – ou o mesmo, mas durante mais tempo – para cumprir a sua meta estatutária. Se a inflação está mesmo a ancorar-se num valor mais baixo, aquela minha ideia de que lá para 2019 os juros sobem pode ter de ser repensada.

Parar com a paranóia da inflação 2.0, versão Mario Draghi

Nas últimas semanas houve algum burburinho em torno da acção futura do Banco Central Europeu, sobretudo depois da conferência de imprensa de Dezembro e da subida da inflação na Zona Euro. A primeira foi lida por quase toda a gente (FT incluído) como um sinal de que o Quantitative Easing está perto do fim; e a segunda ofereceu um fundamento mais objectivo às intenções que, dias antes, todos tinham lido nas palavras de Draghi, confirmando assim as impressões iniciais.

Quem não ficou impressionado com a exegese feita pela imprensa económica foi o próprio Mario Draghi, que ontem veio – digamos assim – ‘clarificar’ melhor aquilo que que queria dizer. E a explicação foi tão útil quanto necessária, porque os títulos escolhidos pela comunicação social foram bastante diferentes dos que foram feitos em Dezembro:

Draghi: alemães têm de ter paciência, estímulos estão para ficar (Negócios)

BCE mantém juros. Admite alargar compras (ECO)

ECB: Draghi signals stimulus commitment (Bloomberg)

Mais interessante foi a justificação dada por Draghi para fundamentar a necessidade de continuar com uma política expansionista. Da peça do Negócios (que é, by the way, a mais completa acerca do tema):

O presidente do BCE desvalorizou o recente aumento da inflação na Zona Euro, que diz reflectir “principalmente o forte aumento na inflação da energia, enquanto não há sinais de uma tendência crescente convincente na inflação subjacente” (…)

O presidente do BCE explicitou as quatro características que têm de estar reunidas para o BCE identificar uma recuperação sustentada da inflação que motive uma alteração da política monetária: em primeiro lugar, o que importa para o banco central é a perspectiva da inflação no médio prazo; em segundo lugar, a trajectória tem traduzir uma convergência duradoura e não transitória para a meta de 2%; em terceiro lugar, a recuperação tem de ser auto-sustentável – “ou seja, tem de se manter mesmo quando o nosso apoio monetário extraordinário já não estiver no terreno”– ; e, finalmente, a inflação tem de ser definida para a Zona Euro como um todo.

Ok, isto pode ser interessante, mas não é surpreendente. Pelo menos para quem tem seguido a longa enfastiante série sobre política monetária do BCE (1, 2, 3, 4). A justificação de Draghi não é muito diferente do que escrevi em Dezembro, quando o Eurostat anunciou a espectacular subida da inflação:

(…) seria muito sinal se o BCE se sentisse reconfortado com estes números. Digo isto porque o mandato do BCE é colocar a inflação nos 2% no médio prazo. O objectivo não é atingir esta meta à boleia de factores transitórios, como uma subida do IVA, alteração de preços administrados ou oscilações no preço das commodities, porque todos estes factores são por natureza temporários – e, uma vez desvanecido o choque inicial, deixam de exercer influência sobre a inflação, ‘puxando-a’ para baixo

(…) Ou seja, o BCE deve garantir uma inflação sustentadamente em torno dos 2%, de maneira a ancorar as expectativas dos agentes económicos em torno desta meta. E para avaliar esta ancoragem deve-se olhar não para a inflação headline mas para a inflação core, que põe de parte os factores mais voláteis e com menos inércia, como é o caso da energia. E essa métrica, disponível no site do BCE, não é especialmente animadora.

Não era difícil prever isto em Dezembro. A verdade é que o BCE já passou por esta situação em 2011, e tomou a decisão errada: ignorou a evolução da inflação subjacente e subiu a taxa de juro – para apenas uns meses depois ser forçado a emendar a mão. Era de esperar que tivesse aprendido com a experiência.

Quando vai o BCE subir os juros?

Quando é que o Banco Central Europeu vai finalmente pôr fim à política de taxas de juro zero? Não é preciso ser mago para adivinhar a resposta: os juros vão subir quando as condições económicas assim o justificarem. Isto é, quando a taxa de inflação estiver solidamente ancorada em torno da meta de 2%.

Mas esta é a resposta fácil, e ninguém aqui quer um comentário à La Palisse. O que queremos saber, na verdade, é quando é que as condições económicas vão encaminhar a inflação para o ponto desejado. E aqui as coisas começam a ficar mais interessantes.

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