Notas soltas do FMI

O FMI já publicou o relatório do Article IV Consultation acerca de Portugal. Apesar de o documento em si não ser muito excitante, ele vem acompanhado de um relatório mais técnico (o Selected Issues) com material que vale a pena destacar. Quanto mais não seja porque aborda, de forma rigorosa, temas que certamente não serão estranhos aos leitores deste blogue.

Primeiro: reformas estruturais. O Memorando de Entendimento assinado em 2011 comprometeu Portugal com uma série de reformas estruturais no âmbito da administração pública, mercado laboral, justiça, saúde, etc. Ao todo foram quase 150 leis e mais de 250 “outras acções” neste âmbito. Mas, apesar de haver evidência empírica a confirmar o impacto positivo das reformas estruturais na economia, também é justo dizer que esses efeitos são normalmente modestos, demoram tempo a fazer-se sentir e dependem crucialmente da forma como as alterações são implementadas – o diabo, nestas coisas, está sempre nos detalhes. Às vezes, nem sequer conseguimos determinar bem quem está a fazer mais reformas (mas vejam também isto).

Por essa razão, o processo de reforma não se esgota com a promulgação das leis. É preciso avaliar a sua implementação e perceber, posteriormente, se os efeitos estão a materializar-se ou se é preciso ajustar a rota (ou inverter a marcha). Este é o tipo de coisa que devíamos fazer por interesse próprio, mas enfim: não tendo ninguém tomado a iniciativa, o FMI chegou-se à frente e perguntou directamente às empresas portuguesas o que acham das reformas em causa. Apesar de a abordagem não permitir uma resposta cabal às dúvidas que persistem, o inquérito constitui, ainda assim, um avanço significativo face à inércia reinante. O quadro de baixo mostra apenas as reformas no mercado de produtos – o quadro completo pode ser encontrado nas páginas 15-17.

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Segundo: a interminável questão do desemprego. Há uns tempos o Observatório das Crises calculou uma suposta “taxa de desemprego real” que chegava aos 25%. A verdade é que o OdC chamou a atenção para um facto importante – as limitações do conceito de desemprego para abranger convenientemente a degradação real do mercado de trabalho -, mas abriu o flanco às críticas ao chamar-lhe “desemprego” e ao ocultar algumas opções metodológicas no mínimo enviesadas. Agora, o FMI entra no debate, calculando um indicador de “debilidade laboral” (labor slack) – que confirma, ao contrário do cálculo do OdC, que a situação está mesmo a melhorar. Os detalhes estão na página 100.

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Ainda sobre uma questão conexa, mas diferente, o FMI debruça-se sobre a descida do desemprego registada em 2014. Nos últimos tempos houve um debate intenso (atenção: intenso não significa informado) acerca do que estaria por detrás da descida, que foi de facto estranhamente abrupta. Num post recente, aventei a possibilidade de este comportamento do mercado de trabalho representar apenas uma reacção ao fenómeno simétrico registado entre 2010 e 2013 – isto é, a taxa de desemprego desceu muito porque no período anterior também tinha subido mais do que se esperava. Mas entretanto o Banco de Portugal publicou um estudo segundo o qual pode ter sido uma mudança de amostra nos dados do INE a provocar todo este ruído.

O que eu não sabia – mas o FMI afirma – é que esta questão da amostra pode ter sido, ela própria, uma causa da subida abrupta do desemprego a partir de 2010. «Until 2013–14, labor force surveys were based on an increasingly outdated sample reflecting the 2001 Population Census. As time went by, the 2001 Census put too much weight on non-urban residents, which tend to experience higher unemployment. This sampling design likely resulted in exaggerated unemployment increases during 2010–12. With the survey gradually switching to a more representative sample based on the 2011 Population Census during 2013–14, this likely reduced unemployment, but also brought it closer to reality».

Ou seja, a explicação da “reacção simétrica” da taxa de desempro não é uma alternativa à explicação da alteração da amostra. Provavelmente, ambas reflectem apenas um único fenómeno: o erro de cobertura que empolou a subida do desemprego – e que, uma vez corrigido, voltou a fazê-lo diminuir. O FMI tem um gráfico muito interessante, semelhante a um que publiquei este ano, mas trocando o volume de emprego pela taxa de desemprego.

3Quarta questão, esta mais um fait-divers do que outra coisa. Muita gente não reparou, mas o FMI defende explicitamente o imposto negativo proposto pelo PS na Agenda para Década. “There seems to be little disagreement among researchers that earned income tax credits (EITCs) tend to be more efficient in reducing poverty than increasing minimum wages” (ver página 95, com uma óptima discussão sobre o tema nas páginas seguintes).

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