A polémica em torno da TSU permanece ao rubro. Mas o debate parece ter cristalizado em torno da seguinte questão: a alteração permite reduzir salários no sector exportador e assim ganhar quota de mercado?
Subjacente a esta ideia está um diagnóstico que é frequentemente repetido no discurso político e económico: que os salários em Portugal cresceram acima da produtividade. Este diagnóstico é, no mínimo, pouco preciso. Vejamos porquê, começando por analisar o indicador comummente utilizado para ‘provar’ este facto.

Nesta imagem é óbvia a divergência salarial entre a Alemanhe e a periferia. Há contudo duas razões para acreditar que este indicador não conta a estória toda.
Note-se, em primeiro lugar, que a diferença entre a periferia e a média da Zona Euro é inferior à diferença entre esta e a Alemanha, sugerindo que pode ser a Alemanha o outlier e o verdadeiro ‘corpo estranho’ a necessitar de explicação. No caso específico de Portugal, há razões para crer que estes custos possam estar até sobrestimados.
Em segundo lugar, os ULC são um índice que compara a evolução das remunerações nominais com o PIB real por trabalhador. Incorporam assim três elementos: remunerações, PIB e deflator do PIB. Qualquer uma destas componentes pode conduzir a uma subida dos ULC, não havendo, à partida, razões para atribuir esta subida ao rácio remunerações/PIB.
De facto, o ‘Wage share’ calculado pela Comissão Europeia mostra que, à excepção do caso irlandês, não houve variação relevante da fracção do PIB absorvida pelo factor trabalho.

A explicação para a subida dos ULC está, isso sim, na evolução dos preços (avaliados pelo deflator do PIB), que cresceram mais em Portugal do que na média da Zona Euro.
Para ilustrar isto, decompus a variação acumulada das remunerações em três componentes: a produtividade, o deflator do PIB e um resíduo que é a parte não explicada por nenhuma destas parcelas – e que, na prática, significa a variação da repartição do PIB entre trabalho e capital. Um valor positivo indica que o trabalho absorve mais produção sem que isso seja explicado pela produtividade e/ou pela subida dos preços.

Como se vê, os salários cresceram menos do que seria de esperar tendo em conta a produtividade e a subida dos preços. A este nível, a Alemanha é novamente o ‘outlier’.
Tendo em conta que a política monetária é apenas uma, é legítimo perguntar por que é que os preços subiram mais em Portugal do que no resto da Zona Euro – e, em particular, na Alemanha.
A resposta mais provável tem que ver com um choque de procura. Entre 2000 e 2010, a economia portuguesa, tal como a maioria das economias da periferia, estiveram expostas a um crescimento de procura que aumentou os seus preços e levou assim a subidas salariais para compensar este desequilíbrio. Tal como seria de esperar numa pequena economia aberta, a subida dos preços notou-se no sector dos bens não transaccionáveis.

Esta narrativa foi defendida por alguns economistas, como Campos e Cunha. A principal diferença face à ‘história oficial’ é que nega que haja um problema de competitividade em Portugal, pondo a tónica no crescimento excessivo da procura, que atrofiou o sector exportador e engordou em demasia o sector não transaccionável.
Esta questão é relevante para a questão da TSU, na medida em que lança luz sobre os canais através dos quais a medida pode, ou não, ter efeito.
Por exemplo, perdem relevância as afirmações recentes do sector industrial, segundo as quais a margem garantida pela descida da TSU será devolvida aos trabalhadores. Se os salários estão alinhados pela produtividade, e os preços cresceram em linha com os preços internacionais, este é o resultado expectável.
Pelo contrário, continua a ser importante monitorizar a evolução dos salários e preços nos serviços e construção, seja porque a) foi o crescimento relativo destes sectores, seja em termos de emprego, seja em termos de preço, que gerou o desequilíbrio; seja porque b) serviços e construção são inputs do sector industrial, que acabam por afectar o seu desempenho.
Finalmente, há que considerar um terceiro factor: o diferencial de salários que se foi construindo na última década entre os trabalhadores da indústria e os trabalhadores dos serviços. Diminuir este diferencial é mais importante do que baixar os salários médios, na medida em que é este hiato que dificulta a transição da parte de um lado da economia para o outro.
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