Para onde vai o défice de 2017?

O INE acabou de publicar as Contas Nacionais por sector Institucional, o que significa que uma data de informação fina ficou disponível – entre a qual o valor do défice no segundo trimestre. Boa, dá para fazer umas contas.

Se no primeiro trimestre o défice ficou nos 1,7% do PIB, no segundo trimestre houve uma ligeira degradação, para 2,1%. Tudo somado, o défice fechou o primeiro semestre na casa dos 1,9% do PIB. É um pouco acima da meta para o conjunto do ano, mas como já estamos todos carecas de saber, a situação das finanças públicas tende a melhorar na segunda metade do ano.

Em Junho, e usando os primeiros dados do INE, calculei uma banda de valores para o défice de 2017, em que a projecção optimista ficava nos -0,8% e a projecção pessimista apontava para -2,1%. Ali pelo meio havia um best guess segundo o qual o mais provável, tendo em conta a informação disponível, era de -1,1% do PIB. O que nos dizem os novos dados?

Bom, os dados parecem francamente positivos – tão positivos que até ficam cerca de 0,6 pontos percentuais abaixo da estimativa da UTAO (e acreditem, 0,6 p.pp, nestas coisas, são imenso). Aliás, quando os empurro para dentro da debulhadora das finanças públicas obtenho uma projecção tão boa que até tenho dúvidas em publicá-la. Mas, como isto é só um blogue, aqui vai:

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Com informação do primeiro trimestre, tudo apontava para um défice de -1,2% do PIB. Agora, parece-me que a posição orçamental melhorou mais um pouco e o cenário mais provável é um saldo negativo em -0,7%.

É uma diferença de quase 0,8 pontos percentuais face à meta oficial, e admito que não é o valor que eu escolheria se tivesse de apostar num número. Mas recordo que no ano passado quase toda a gente andou a dizer que o défice era impossível de atingir, e este método já sugeria que a coisa não estava assim tão fora do alcance. Quando os dados do terceiro trimestre saírem, lá mais para Dezembro, já poderemos fazer um ponto de situação mais concreto do Orçamento.

P.S.- A projecção para 2017 usando os dados do 1º trimestre apresentada neste post não é exactamente igual à projecção feita quando esses dados ficaram disponível porque o INE entretanto reviu alguns números.

 

Contas para o défice de 2017

O INE publicou as contas do primeiro trimestre, que apontam para um défice de -2,1% do PIB. O que significa isto? Tenho uma coluna no Radar Económico a acrescentar dois cêntimos. Mas, para quem não tem paciência para seguir o link, aqui fica um breve resumo:

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P.S.– Isto parece simples, mas tem dado bons resultados.

Mas como é que eles fizeram isto?

Consigo perceber as suspeitas e dúvidas que os números-quase-finais do défice levantaram em muita gente. Afinal de contas, estivemos durante boa parte do ano a ouvir alertas e avisos de todo o lado. E agora vai-se a ver e não é que o défice pode ficar nos 2,1%? Depois de alguns episódios menos claros em torno da transparência das contas  públicas, o cepticismo é compreensível.

Mas parece-me que há aqui pelo menos três ‘tipos’ de dúvidas diferentes, que se tocam nalguns pontos mas que não versam necessariamente sobre a mesma coisa. Discutamos uma de cada vez.

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Humilde previsão do défice de 2016

O INE acabou de publicar o valor do défice orçamental do terceiro trimestre em contabilidade nacional. Em termos acumulados, o défice fica nos 2,5% do PIB. O que é que isto nos diz?

À primeira vista, o défice parece estar no caminho certo – a meta para o conjunto do ano é de 2,4% do PIB, e o ‘limite’ da Comissão Europeia são os 2,5%. Mas as coisas não são tão lineares assim, porque o perfil de execução orçamental não é igual em todos os trimestres, e os últimos três meses podem deitar este resultado por terra. Ou, quem sabe, melhorá-lo substancialmente.

Uma maneira de levar tudo isto em conta é usar os padrões de execução dos anos anteriores para ‘prever’ o défice do quarto trimestre. Depois é só juntar aos dados já conhecidos dos primeiros três trimestres, misturar, agitar bem e voilá, ora aí temos o défice de 2016. Da última vez que fiz esse exercício, com os dados de Junho, o resultado foi este.

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Portanto, o défice tanto podia ficar nos 1,9% como nos 2,9%, dependendo do tipo de padrão de execução que se achasse mais apropriado para estimar os valores de 2016. Em média, porém, a coisa parecia alinhada com os objectivos: 2,6% do PIB.

Agora podemos fazer o mesmo exercício com os dados do terceiro trimestre. Se tudo correr bem, não só a previsão será mais acertada como a gama de resultados possíveis também será mais estreita.

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A previsão central continua a ser de um défice de 2,6% do PIB – embora, como esperado, a margem de erro tenha diminuído. No pior dos cenários o défice fica nos 3%; na melhor das hipóteses fica nos 2,2%.

Já agora, e para introduzir algum judgement num processo que nunca deve ser puramente mecânico, eu diria que o padrão de execução de 2016 será, em princípio, mais parecido com os padrões de 2013-2015 do que com os dos anos anteriores. Se fizermos a média das projecções elaboradas com base nesses anos, o resultado final é um défice de 2,4% do PIB. Parece-me que este é o melhor best guess neste momento.

Claro que estes valores não levam em conta o resultado do programa de regularização de dívidas fiscais (PERES), que supostamente arrecadou 400M€. Estes valores representam mais 0,2% do PIB, e têm de ser abatidos à estimativa anterior. Tudo somado, é bem possível que Portugal feche o ano com um défice na casa dos 2,2% do PIB (ou 2,4%, se quisermos ser conservadores e usarmos como padrão de projecção a média de 2008-2015, e não apenas a dos últimos três anos).

De resto, um Feliz Natal a todos.

Que aconteceu à regra 2:1 na função pública?

Uma das medidas de consolidação orçamental anunciada para 2016 era a regra 2/1: por cada duas saídas na Administração Pública seria admitido apenas um novo trabalhador. O princípio é simples e interessante: em vez recorrer à desagradável figura do despedimento, o Estado pode limitar-se a não substituir os funcionários que abandonam (por idade ou por desejo) o serviço, reduzindo assim a sua despesa com salários sem contribuir para o desemprego.

Em 2016, esta medida devia valer cerca de 100 milhões€. E a respectiva execução deve estar a correr bem, porque no novo Orçamento ela é prolongada até 2017, e o seu valor reforçado para 122M€.

Mas no decurso de um trabalho que estou a fazer acabei por dar de caras com os números do Emprego Público, compilados pela DGAEP. E fiquei surpreendido por descobrir que, pelo menos no primeiro semestre do ano, não há sinais da regra 2:1 estar em vigor. Pelo contrário, o número de funcionários até aumentou ligeiramente.

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Podia dar-se o caso de as saídas de trabalhadores se concentrarem no terceiro trimestre , pelo que só na próxima divulgação de dados (relativa a Setembro) seria possível avaliar com um mínimo de rigor o grau de cumprimento da regra.

Mas a DGAEP fornece dados suficientemente granulares para que se possa quantificar não apenas o número líquido de funcionários mas também os fluxos brutos de entradas e saídas. Esses dados mostram que no primeiro semestre já houve 32 mil saídas. Oportunidades para reduzir o emprego não faltaram. Mas as saídas foram mais do que compensadas por um número de entradas ligeiramente superior.

Na verdade, os números são suficientemente detalhados para que possamos calcular um rácio de substituição por diferentes níveis de administração. Nas minhas contas eliminei todas as categorias onde havia manifestamente poucas saídas (menos de 300 em 2016), para limpar algum ruído introduzido por micro-ministérios; e depois dividi as novas entradas pelo número de saídas. Até agora, nenhum Ministério cumpriu a regra 2:1.

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Já agora, o facto de ter havido eleições nos Açores este ano, bem como o facto de a Madeira continuar sob vigilância apertada na sequência do pedido de ajuda financeira, não devem ser alheios aos respectivos rácios de substituição.

Mas o emprego público não é propriamente uma área que domine bem, e é possível que haja uma série de subtilezas que me estejam a escapar. E por isso deixava a pergunta aos leitores, sobretudo aos que trabalham no Estado: até que ponto a regra, que foi apresentada a Bruxelas e ‘conta’ como medida de consolidação, está a ser efectivamente cumprida pelos serviços?

Podem usar a caixa de comentários (ou, se preferirem anonimato, o e-mail no canto superior do blogue).

P.S.– Um leitor sugeriu que os posts acerca das finanças públicas fossem arquivados num separador especializado, para facilitar a pesquisa a quem só está interessado em seguir a situação orçamental do país. Parece-me uma óptima ideia, e por isso a partir de agora há duas tags especializadas: uma para as finanças públicas e execução orçamental – Observatório das Contas Públicas – e outra para a conjuntura económica do país: crescimento, emprego, e por aí fora. Está no Observatório de Conjuntura Económica. E até há um chapéuzinho para os dois, na categoria Portugal: Observatório(s). Os nomes são educadamente roubados a Pedro Pita Barros, que inaugurou faz uma análise mensal da dívida dos hospitais.

Orçamento à lupa: não, não muda de figura

Não foi preciso esperar muito pelo relatório da UTAO acerca do Orçamento do Estado para 2017. O documento final só deve ser publicada nos próximos dias, mas por agora já está disponível uma versão preliminar (aqui). O diagnóstico, infelizmente, é pouco reconfortante.

Os problemas  começam desde logo na qualidade (e quantidade) da informação disponibilizada. Faltam dados da execução orçamental de 2016, números desagregados acerca da cobrança de impostos, explicações sobre algumas das rubricas com oscilações mais agudas e os valores exactos das cativações. Ao todo foram 16 questões endereçadas à Direcção-Geral do Orçamento e ao Gabinete de Planeamento, Estratégia e Relações Internacionais (GPEARI) do Ministério das Finanças que ficaram sem resposta.

Em causa estão os valores mais finos do Orçamento: não são necessários para fazer uma avaliação global da política orçamental, nem são, presumo, analisados por Bruxelas, que se concentra nos valores globais reportados de acordo com as regras do Eurostat (Contabilidade Nacional). Também por isso, não dei pela falta do reporte dos dados quando li o OE, já que do ponto de vista das metas do défice o que conta mesmo é a Contabilidade Nacional.

Mas o facto de os números não serem relevantes para Bruxelas não os torna irrelevantes para o Parlamento, que é suposto escrutinar o Orçamento. Até porque é suposto os valores em Contabilidade Nacional serem obtidos por transformação e agregação dos valores mais ‘miudinhos’, o que levanta a dúvida legítima acerca do rigor e correcção dos primeiros. Tendo isto em conta, não é de estranhar o destaque que a imprensa está a dar ao caso do “apagão” dos números do Orçamento.

O segundo problema está na coerência global do documento. O Orçamento propõe uma consolidação orçamental de 0,8% do PIB em 2017, alicerçada num ajustamento estrutural de 0,6%. Mas entre as metas que lá estão e as medidas que as suportam parece haver uma distância considerável. Quando fiz as contas – e não é fácil fazê-las, porque a metodologia seguida não é clara – concluí que as medidas discricionárias serviriam talvez para melhorar o saldo estrutural em 0,03% do PIB. Ou seja: na prática, nada mudava.

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A UTAO seguiu um atalho diferente para analisar a mesma questão. Mas a conclusão é semelhante:

Com efeito, tomando por base o cenário de políticas invariantes para 2017 do Conselho das Finanças Públicas ou da Comissão Europeia, a dimensão das medidas subjacentes ao OE/2017 poderá apontar para uma degradação ou relativa manutenção do saldo estrutural de 2016 para 2017, não respeitando portanto a restrição orçamental a que as finanças públicas portuguesas se encontram vinculadas no âmbito do ajustamento estrutural.

A diferença entre o que está corporizado em medidas e o que está enunciado como objectivo é muito substancial. Na prática podemos estar a falar de 0,6% do PIB – qualquer coisa como 1.150M€.

Não é líquido que a Comissão Europeia faça uma avaliação tão rígida das normas, e que peça explicitamente medidas adicionais desta dimensão – de resto, a própria UTAO faz essa ressalva. Mas depois da brincadeira do último orçamento, que teve efeitos reputacionaisreputacionais e materiais tão grandes,  era de evitar um remake do episódio. Não estraguem tudo quando as coisas se começam a compor.

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Investimento Público: uma comparação alternativa

Um dos exemplos mais engraçados da relevância da Economia Comportamental (sigam o link se não conhecem, e depois vão a correr ler isto) é o regime de subscrições da Economist.

Economist tem – ou tinha, há uns anos – três opções de assinatura: a) assinatura on-line por 59$; b) assinatura da versão impressa por 125$; e c) assinatura de ambas as versões por 125$. O que parece estranho, porque ninguém no seu perfeito juízo preferiria pagar 125$ para ter a versão impressa quando pode ter o pacote completo pelo mesmo montante. O que é a opção b) está ali a fazer? Será a Economist assim tão cega que não perceba que ninguém vai escolher esta opção?

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OE 2017 visto de cima

O Orçamento do Estado para 2017 foi apresentado há cinco dias, e por esta altura já se conhecem as principais opções, o detalhe de algumas medidas e até os alçapões do documento. Também já se encontram por aí boas análises sectoriais – Saúde e Educação, por exemplo – e aqueles guias muito úteis do tipo ‘o-que-muda-para-quem’ (mais as inevitáveis simulações de impostos).

Portanto, agora só falta o mais importante: uma visão global do documento, que contraste as metas com as medidas e permita perceber se os objectivos são alcançáveis. E para isso vamos ter de esperar pelo parecer do Conselho das Finanças Públicas. Até lá, aqui ficam as minhas impressões.

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Aqui entre nós que ninguém nos ouve

O Bruno Faria Lopes escreveu um excelente texto no Negócios (mais um), a chamar novamente a atenção para um problema que passa frequentemente longe do radar da imprensa nacional: a percepção cada vez mais negativa que ‘lá fora’ se vai fazendo de Portugal. Vale a pena ler o artigo todo e passar os olhos pelas manchetes que o Bruno compilou, o que o leva a escrever que:

São intervenções cheias de “ses”, que misturam realidade, preconceito e interesse próprio? Em parte sim. Mas, no final do dia, isso interessa pouco. A cadência impiedosa destas notícias e análises é um sinal preocupante da consolidação de uma história, de uma “narrativa” sobre Portugal. O contraste entre esta e o ambiente político no país é grande – e o problema maior de percepção está no lado que mais tem a perder, ou seja, cá dentro.O BCE anestesia o mercado e Portugal paga hoje só 3% a dez anos para se financiar? Sim, Mario Draghi tem a mão em cima da tampa. Mas lá dentro, na panela, vai fervendo um caldo cada vez mais tóxico.

Eu acrescentaria duas coisas. A primeira é que estes sinais começam a complementar-se com outros, que não me deixam mais confortável – em particular, a tendência para desconsiderar os alertas como chantagem externa, ou como sinal de uma enorme conspiração (com jornalistas colaboracionistas e tudo) para pressionar o Governo a fazer alguma coisa diferente. Há em tudo isto um cheirinho a 2010 que, com as taxas de juro em 3,3%, era perfeitamente  dispensável.

A segunda coisa a acrescentar é que os receios de que se ouve falar têm uma tradução mais concreta e palpável do que apenas um punhado de notícias na imprensa internacional. Vejamos porquê.

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