O fim da austeridade?

Este foi o tema da semana passada. O ministro puxou pelo assunto em entrevista, o Eco dedicou-lhe um fact-checking e o Negócios fez um especial sobre o assunto. Eu também meti a colher, mas o formato rígido de um impresso, sem espaço para gráficos e com caracteres fixos, não se presta a grandes pedagogias. Por isso aqui vai, em formato FAQ, uma explicação um pouco mais completa.

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Visita guiada ao estudo da pobreza e desigualdade

A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou há pouco mais de uma semana o estudo Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal, uma análise minuciosa da evolução das desigualdades e da pobreza ao longo do período de ajustamento. O estudo justificou uma série de notícias nos media nacionais, mas nem todos os títulos foram os mais relevantes nem tudo o que o estudo fez teve o destaque merecido. Mas vamos por partes.

Uma das conclusões mais badaladas foi o nível da pobreza em Portugal. Por exemplo, descobrimos que quase um quinto da população portuguesa é pobre, e que os 10% mais pobres vivem com com 3628€ por ano. Uma forma engraçada de brincar com os números é dar um salto ao micro-site que acompanha o estudo e usar esta ferramenta para perceber em que decil de rendimento está cada pessoa.

Eu calhei no último decil mais rico, mas a verdade é que não é preciso muito para lá chegar – quem ganha 1.400€ por mês e não tem filhos a cargo, por exemplo, já entra neste grupo selecto. Um trabalhador com o Salário Mínimo Nacional (530€ menos os descontos para a TSU) fica no terceiro decil, e se tiver mais 80€ de subsídio de refeição passa automaticamente para o quarto. Classe média, portanto.

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Quatro anos de austeridade (mais um de virar a página) segundo o Euromod

Eu sei que a questão das consequências redistributivas do Orçamento do Estado para 2016 é chão que já deu uvas. O Orçamento foi discutido, votado e promulgado. De certeza que há coisas mais interessantes para discutir neste momento.

Por outro lado, de acordo o wordpress este continua a ser, dois meses depois da sua publicação, o post mais acedido do blogue. E como tenho andado a explorar uma base de dados especialmente vocacionada para esta questão, pensei que podia ser boa ideia partilhar alguns dos insights que ele fornece. Afinal de contas, é improvável que alguém se deixe convencer seja do que for por causa de contas feitas num blogue. Talvez alguns dos cépticos mudem de opinião se a conclusão vier de uma fonte, digamos assim, mais profissional.

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Virar a página da austeridade (duas vezes)

Penso que foi Paul Krugman quem criou o conceito de “ideias barata” (cockroach ideas, no original inglês). Estas ideias partilham com as baratas duas características relevantes. Primeiro, são más, muito más. Segundo, não interessa quantas vezes puxemos o autoclismo: no final, acabam sempre por voltar.

No caso português, uma das mais notáveis é a ideia de que é preciso “virar a página da austeridade” – uma tese que ganhou tracção durante a campanha das Legislativas e que tem sido repetida até à náusea na corrida para as Presidenciais.

Não me entendam mal: a política orçamental é uma coisa complexa. É preciso conciliar objectivos muitas vezes antagónicos (estabilidade versus actividade), tomar decisões num ambiente de incerteza, saber onde, quanto e quando cortar (ou não cortar?), que rubricas utilizar, etc. Eu próprio tenho passado uma parte dos meus tempos livres a pensar sobre o assunto – basta pesquisar pela tag relevante. E se a alguma conclusão cheguei é que duas pessoas igualmente razoáveis podem facilmente chegar a duas prescrições diferentes.

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Quem aumentou mais a dívida pública?

Em altura de eleições são comuns os fact-checking às afirmações dos candidatos. É uma óptima prática, mas com algumas ratoeiras. A pior de todas é que pode focar as atenções em questões que, apesar de completamente factuais, são irrelevantes. Nestas circunstâncias, o dever de quem faz o fact-checking não é dizer que a afirmação está certa ou errada. É dizer que a questão está mal formulada.

E no vasto lote de perguntas que contornam olimpicamente a verdadeira questão de fundo a minha favorita é a eterna «quem aumentou mais a dívida pública»?

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Era tudo tão, tão, tão previsível

Aparentemente, a Grécia vai mesmo ter um terceiro resgate. De acordo com uma das narrativas que agora circula, a história é simples de contar. Primeiro, os gregos elegeram um Governo mandatado para acabar com a austeridade. Depois, o resto da Zona Euro cortou o financiamento e deixou o Estado grego sem meios para pagar as contas. E posteriormente foi a vez do BCE colocar um limite à ajuda a conceder aos bancos da Grécia, obrigando à imposição de controlos de capitais. Perante a chantagem europeia, que impediu o Syriza de cumprir as suas promessas eleitorais, Tsipras não teve outra opção que não aceitar este humilhante acordo.

Descontando o framing enviesado (os votos gregos contra a austeridade são um “exercício da democracia”, os votos alemães contra um empréstimo adicional são uma perfídia), julgo que esta é uma descrição correcta dos acontecimentos. Sim, o Governo grego cedeu porque não houve, na Zona Euro ou no Banco Central Europeu, quem quisesse emprestar mais dinheiro.

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Se a Grécia fosse Portugal

Uma das coisas mais lamentáveis na discussão da crise grega é a (aparente) dificuldade de muita gente em apreender os factos mais básicos da questão. Não estou a falar de argumentos débeis, como a ideia de que flexibilizar metas significa deixar a Grécia viver novamente acima das suas possibilidades. Refiro-me a erros factuais – por exemplo, a ignorância de que a Grécia foi, ao contrário do que se pensa, o país europeu que mais reformas estruturais fez e que mais apertou o seu orçamento.

Na verdade, o colapso da Grécia é simples de explicar. Perante a situação calamitosa das contas públicas em 2009, só havia duas possibilidades: saída do euro para financiar o défice com emissão monetária – algo que ninguém queria -, ou um ambicioso programa de consolidação orçamental, associado a financiamento por parte dos credores oficiais. Como a consolidação afecta negativamente o crescimento, a recessão era inevitável.

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Mitos e factos sobre a austeridade

Simon Wren-Lewis perdeu algum tempo a escrever uma série de posts sobre a percepção e a realidade da macroeconomia da austeridade. Ao todo são oito entradas, resumidas em Mediamacro myths. Num registo menos técnico, Paul Krugman escreveu no Guardian uma anatomia da política orçamental dos últimos cinco anos: The austerity delusion. Vale a pena ler os dois – e ter cuidado para distinguir os argumentos que valem para com acesso ao mercado dos argumentos que se aplicam a países como Portugal.

The story presented in much of the UK media is simple and intuitive. The previous government messed up: they spent too much, and it left the UK economy on the brink of financial meltdown. The coalition came to the rescue: clearing up the mess was tough at first, but now it is all coming good.

AIn previous posts I have shown that this is almost complete fiction. The increase in the government’s budget deficit under Labour was all about the recession, which in turn was created by the global financial crisis. There was no prospect of a UK financial crisis in 2010, which meant that austerity was not something the government was forced to undertake. Reducing the deficit could have been left until the recovery was secure (and crucially interest rates had risen above their lower bound), but the coalition chose to do otherwise. As a result they delayed the recovery by three years, at great cost. Even since 2013 we have simply seen a return to normal growth rates: there has been no catching up of lost ground. In that sense growth under the coalition hardly deserves the term recovery, and we have seen an unprecedented lack of growth in living standards. Productivity growth has been non-existent, yet the government has feted the employment growth that is its counterpart.

O saldo primário grego

Um post que vale a pena de Simon Wren-Lewis: Greece and primary surpluses. A ideia fundamental é que o saldo primário real da Grécia – isto é, o saldo ajustado à posição cíclica da economia – já está nuns impressionantes 7,6%. Isto devia ser mais do que suficiente para reduzir rapidamente o stock de dívida mesmo com estímulos orçamentais, porque o impacto negativo destes estímulos seria mais do que compensado pela convergência do saldo primário para o seu valor estrutural.

Não deveria ser muito difícil convencer a Troika da razoabilidade desta alternativa – este é o caso clássico de um bloqueio cognitivo condenado a desaparecer mais cedo ou mais tarde. Infelizmente, o “factor Syriza” pode ter criado bloqueios de natureza diferente: falta de confiança entre as partes e o receio de que o financiamento internacional não seja utilizado para suavizar a consolidação mas para a adiar ad infinitum.

2009 was the peak underlying primary deficit, and it was huge, representing the actions of a truly profligate government. However what followed was complete cold turkey: within two years the underlying primary balance was close to zero. A pretty conservative estimate for the impact of fiscal consolidation would reduce GDP by 1% for each 1% of GDP reduction in the primary balance. In those terms, all of the current output gap in Greece can be explained by austerity.

As I have always said, some period involving a negative output gap was inevitable because Greece had to regain the competitiveness it lost as a result of the previous boom fuelled by fiscal profligacy. But slow gradual adjustment is more efficient than cold turkey. Paul Krugman explains one reason for this: resistance to nominal wage cuts. But there is another which is even more conventional. If we have a Phillips curve where inflation expectations are endogenous (either through rational or adaptive expectations) rather than anchored to some inflation target (as Paul implicitly assumes), then competitiveness adjustment can be achieved with a much lower cost in terms of the cumulated output gap if it is done slowly. (I gave an example here, then reacting to the idea that Latvia’s cold turkey adjustment had been a success.)

There are only two serious barriers to this more efficient adjustment path. The first is the willingness of some outside body to provide the loans to fund the gradual reduction in the government’s deficit. The second is getting those outside bodies to recognise this basic macro: austerity hits output, and gradual adjustment is better. I think the second turned out to be the crucial problem with Greece: as has been extensively documented, the Troika were hopelessly optimistic about the impact cold turkey would have.