Descida do desemprego: inversão de ciclo?

Muita gente não se apercebeu, mas a taxa de desemprego não cai há praticamente oito meses. Em Fevereiro subiu mais umas décimas, para os 12,3%, e afastou-se ainda mais da tendência de descida que prevalece no conjunto da Zona Euro (ver Dinheiro Vivo e Lusa). Se pusermos estes números ao lado da revisão em baixa das previsões económicas e dos receios em torno da economia global, não é difícil perceber por que é que já há quem veja as coisas a ficar muito pretas no horizonte.

Até que ponto é que isto é verdade? Não é fácil perceber isso imediatamente, porque há uma boa dose de ruído nos dados do desemprego (sobretudo os que são reportados numa base mensal). Mas uma regra que segui ao longo dos últimos anos, e que se revelou uma óptima muleta para despistar esses erros, foi abordar a questão com a ‘lei de Okun’ como pano de fundo. É uma heurística simples: começamos por perguntar se o PIB está a crescer. Se está, provavelmente o emprego também está – e se os números apontam noutra direcção, então vale a pena investir algum tempo à procura de uma eventual perturbação de leitura.

E o PIB, está a crescer? Segundo os dados recentes, está. Logo…

A perturbação mais comum costuma ser a sazonalidade. A forma mais fácil de a contornar é expandir o período de análise e ver se os padrões tendem a repetir-se. É o que acontece. Em 2014 também houve um período de cinco meses ao longo do qual o desemprego aumentou – que, sem surpresa, coincidiu com o início do ano. O desemprego acabou depois por corrigir e ter uma queda muito acentuada (na verdade, tão acentuada como a queda histórica do início de 2013, imediatamente após a inversão de ciclo).

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A subida é mais prolongada desta vez, com oito meses a crescer (antes tinham sido cinco). Mas não haverá mais factores de ruído que possam justificar este movimento? A experiência dos últimos anos sugere que há pelo menos dois.

O primeiro é a variação da população activa, afectada por coisas como a emigração (ou imigração), desempregados desencorajados, etc. Para ultrapassar este problema basta olhar para o volume de emprego, e não para a taxa de desemprego efectiva, já que aquele não é impactado pelo ‘desaparecimento estatístico’ de desempregados.

O segundo são as políticas activas de emprego – coisas como programas ocupacionais para os desempregados, ou estágios para jovens trabalhadores, que já foram uma das muitas desculpas para justificar a descida do desemprego desde 2013. Para expurgar este valor basta usar os números de programas ocupacionais1 divulgados pelo IEFP numa base mensal e retirá-los ao número de empregos criados. A imagem de baixo faz esta contabilidade.

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A linha verde, que retira os programas ocupacionais aos empregos criados, é a linha relevante, e se olharmos para estes dados ficamos com uma ideia um pouco diferente das dinâmicas do mercado laboral. Sim, o emprego está a cair desde Julho do ano passado, mas a quebra até é muito menor do que o habitual: em 2013 e 2014, por esta altura, o número de postos de trabalho criados já tinha sido (quase) reduzido a zero.

Por que é que as duas linhas diferem tanto? Por uma razão muito simples. Depois de os programas ocupacionais terem atingido um nível recorde no final de 2014, o IEFP tem estado a inverter a marcha. Isto produziu o efeito contrário ao que se fez sentir enquanto ‘a maré estava a subir’.

Isto é: da mesma forma que o crescimento dos programas empolou a descida da taxa de desemprego entre 2013 e 2014, a sua remoção agora está a reduzi-la. O contraste entre o mercado de trabalho de 2013/2014 e o mercado de trabalho de 2015/6 é em boa parte resultado desde factor one-off, que tenderá a dissipar-se à medida que o número de programas estabilizar.

Portanto, poucas novidades, aparentemente. Se a história se repetir, o emprego deverá crescer de forma robusta a partir de Março. Não há razões para complacência, mas também não há razões para alarmismo. Pelo menos, com estes dados.

1 As políticas do IEFP envolvem não apenas programas ocupacionais mas também estágios e outras políticas de menor impacto. Aqui segui a convenção, informalmente iniciada pelo Observatório das Crises, de apenas contabilizar estes programas.
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