Desemprego nos 10% até 2018?

A OCDE publicou o Economic Survey de Portugal e uma das coisas que mais chamou a atenção foi a previsão de que a taxa de desemprego já não vai descer abaixo dos 10%. Segundo as previsões do boletim, o desemprego ainda vai cair este ano – de 11,1 para 10% -, mas a partir daí não há melhorias à vista.

Eu imagino o que poderá ter levado a OCDE a inscrever estes números no seu cenário central – e consigo pensar em pelo menos três ou quatro boas razões para acreditar que o futuro um pouco menos sombrio do que isto. Mas quem não tem o mínimo interesse na discussão em torno de taxas naturais de desemprego pode achar instrutivo o gráfico seguinte.

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Como podem ver, as previsões da OCDE têm sistematicamente subestimado a descida do desemprego. Ok, também subestimaram a subida do período 2009/2012. Mas tanto um erro como o outro resultam, julgo eu, do mesmo problema de fundo: as previsões assumem sempre, pela forma como são construídas, uma excessiva convergência para a média. As quebras estruturais não passam-lhes ao lado.

Hey, e isto é o (ou uma parte do) tema da minha coluna no Jornal Económico desta semana, que se repete todas as sextas-feiras (o artigo, não o tema!).  A partir de quinta-feira o artigo é desbloqueado no site.

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As pensões vão baixar (e não há muito que se possa fazer)

Aqui há uns tempos escrevi um post acerca de Segurança Social que teve um impacto razoável. A ideia de fundo era que o conceito de “sustentabilidade da Segurança Social”, de que muitas vezes se fala, não implica necessariamente “boas pensões”, ou sequer pensões razoáveis. Implica apenas que as receitas do sistema chegam para financiar as responsabilidades.

E, por isso, não há qualquer incompatibilidade em dizer que um sistema de Segurança Social é sustentável e que ao mesmo tempo conduz a uma redução contínua da taxa de substituição entre o último salário e a pensão correspondente. Logo, ninguém devia usar a imagem de baixo para anunciar que o sistema vai afundar. Pelo contrário, é o fenómeno retratado na imagem que permite evitar o colapso do sistema.

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Infelizmente, ninguém ligou pêva aos posts seguintes (1, 2, 3)  E foi uma pena, porque estes posts tinham uma conclusão ainda mais contra-intuitiva: que a diminuição do rácio de substituição das pensões é largamente independente do tipo de sistema em vigor. Não interessa se descontamos para o Fundo da Segurança Social, se metemos o dinheiro debaixo do colchão ou se o investimentos nos mercados financeiros; se a população está a mingar e a idade média a aumentar, então as pensões futuras, venham elas de onde vierem, serão necessariamente mais baixas.

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O gang histérico-keynesiano

Portanto, parece que há mais membro no clube. Depois do Council of Economic Advisers americano, do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, agora é a vez da OCDE. Boa: o clube não pára de crescer.

The declines in expected GDP growth have typically been more pronounced in those economies in which actual GDP growth has fallen short of expectations in recent years, consistent with what might be expected in a self-fulfilling low-growth trap. In the absence of policy measures to strengthen demand and longer-term growth prospects, this trap is likely to deepen, with negative longer-run consequences (…)

(…) On the other hand, effective fiscal policy, implemented now during the window of low interest rates and in conjunction with country-appropriate structural and trade policies, could change expectations, thus generating a positive feedback loop between expectations and actual GDP growth (…)

(…) In about a third of the countries covered in the Economic Outlook, the OECD recommends more expansionary fiscal policy than currently planned (…) A number of large economies, including Germany, should borrow more than currently envisaged to raise public investment (…) Persistent demand weakness, which gradually undermines the productive capacity of the economy (“hysteresis”), reinforces the case for a fiscal initiative in Italy and France and in a number of smaller Southern European economies with wide negative output gaps.

Há aqui duas ideias misturadas, que podemos destilar para perceber melhor o que está em causa. A primeira é a aparente conversão consumada da OCDE à hipótese da histerese: a ideia de que contracções económicas prolongadas podem deixas chagas permanentes no tecido económico, afectando o próprio potencial produtivo da economia.

A OCDE ilustra este princípio com um gráfico que correlaciona a revisão em baixa do crescimento potencial de cada país com a dimensão da contracção efectiva do PIB. Correlação não é causalidade, mas felizmente há mais do que esta imagem por detrás do alerta da OCDE. Se isto for verdade, o bouncing back do PIB para a sua tendência de longo prazo pode ficar irremediavelmente comprometido. A não ser que se faça alguma coisa urgente.

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A segunda ideia é a admissão de que a política monetária atingiu os seus limites. É preciso fazer alguma coisa com urgência, mas não são os bancos centrais que têm de se chegar à frente. Por muito que se diga que estes ainda têm cartas na manga, é cada vez mais óbvio (desde logo para os próprios!) que a eficácia marginal da compra de activos é cada vez menor, e que a incerteza em torno dos seus efeitos colaterais é crescente. A solução é um estímulo orçamental coordenado entre as economias desenvolvidas, mais agressivo onde a capacidade é maior, e mais moderado onde a dívida impõe mais restrições.

Eu diria que este último ponto não é necessariamente keynesiano – pelo menos, se por ‘keynesianismo’ entendermos a afirmação trivial de que ‘a procura conta’, o que tanto serve para justificar a política orçamental como a política monetária. E também diria que histérico é uma péssima transformação da palavra histerese. Mas achei tanta piada ao nome que preferi deixar o título assim.

Em todo o caso, é uma boa oportunidade para voltar a um post antigo, onde argumentei que não era surpreendente que o crescimento do PIB desde que o novo Governo entrou em funções não tenha descolado de 1-1,5%. A explicação mais comum é que ‘o modelo estava errado’, e que “não se cresce gastando dinheiro”; mas a explicação mais provável, que avancei no post, é que o modelo não chegou a ser implementado – o saldo estrutural, a medida mais comum para avaliar o contributo do orçamento para a macroeconomia, deve melhorar este ano (ao invés de se deteriorar).

E é importante notar esta diferença, porque se não conseguirmos reconhecer que o orçamento tem mesmo efeito na economia, e que a política orçamental é um bocadinho mais complicada do que o label depreciativo ‘fazer dívida para crescer’, vamos olhar todos para as recomendações da OCDE e achar que está a dar-nos um conselho para regressarmos à idade da pedra da macroeconomia. Quando na verdade o que nos está a dar é algo muito diferente: a armas de arremesso para se pressionar os países com margem orçamental a fazer aquilo que nós já não podemos fazer.

P.S.– A OCDE também já está a adoptar a ‘visão nuanceada’ das reformas estruturais que tem vindo a ganhar apoiantes nos últimos tempos: «It is particularly important to ensure that reform efforts are coherent; otherwise they will not yield improved outcomes. For example, relaxing labour regulations in an environment of rigid product markets may only reduce employment and wages. In contrast, deregulating the business environment at the same time enhances the likelihood that businesses will compete for workers». Aplausos, aplausos.

 

Quem beneficia mais com o Estado social

O relatório do FMI Rethinking the State esclareceu finalmente a origem da curiosa afirmação do primeiro-ministro, segundo o qual o Estado Social beneficia mais quem tem maiores rendimentos. No relatório (página 14 da versão preliminar) lê-se que “Portugal’s social transfers provide more benefits to upper income groups than to lower income groups”. 

Esta afirmação é fundamentada em dados retirados de um estudo que, infelizmente, ainda não está disponível (“Growth friendly, equitable, and sustainable fiscal reform in Portugal”, de A. Lembgruber e M. Soto). Mas avaliações deste género já foram feitas por outros organismos, como a OCDE. A tabela em baixo é retirada de What are de best policy options for fiscal consolidation?, publicado em 2012.

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Informação como esta pode ser menos relevante do que parece à primeira vista, por incluir prestações contributivas como pensões. Estas prestações representam a maior parte da despesa social e correspondem a descontos feitos ao longo da vida; sem levar em conta o saldo líquido entre contribuições, que são tanto maiores quanto mais altos forem os salários, a divisão de despesa por escalões de rendimento é, em si mesma, pouco útil.

Uma alternativa passa por olhar directamente para o impacto da despesa social na redução da taxa de pobreza. A imagem de baixo mostra a diferença entre a taxa de risco de pobreza efectiva e a taxa de risco de pobreza excluídas as transferências sociais. Os dados do Eurostat apontam para alguma falta de eficiência da despesa pública na redução das assimetrias sociais.

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Por outro lado, os resultados parecem menos desapontantes quando são ponderados pelo volume efectivo de despesa. De novo, os dados são do Eurostat.

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Mesmo estes dados deixam boa parte da estória por contar, na medida em que a despesa continua a reflectir algumas prestações contributivas. Além disso, os números apenas levam em conta a redução da taxa de pobreza, deixando de fora a redução da intensidade da pobreza. É possível encontrar esses dados, mas de forma demasiado fragmentada para que se possa fazer comparações fiáveis a nível internacional.

Subsídio de desemprego generoso mas para poucos

No Massa Monetária, a Catarina Almeida Pereira ‘apanhou’ uma tabela que escapou a quase toda a gente. Utilizando dados do Ministério da Segurança Social e a base de dados Employment and Labor Market Statistics, o ‘Economic Survey’ da OCDE avança, pela primeira vez, comparações internacionais de taxas de substituição do subsídio de desemprego.

A publicação avança outros dados relevantes, como a distribuição da taxa de substituição por escalão etário – 8,5% para os mais jovens (abaixo dos 25 anos) e 75% para os mais velhos (acima dos 45%).

Publicado OCDE Economic Survey de Portugal

A OCDE publicou hoje o ‘Economic Survey’ de Portugal. O documento parece ser mais detalhado do que os que foram publicados em 2010 e 2011, e tem muita coisa boa para quem se interessa por Administração Pública, Parcerias-Público-Privadas, energia, mercado laboral e macroeconomia. Se tiverem tempo, podem ver uma versão resumida aqui.

O relatório deste ano segue de perto a evolução do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF). A avaliação geral parece ser boa, mas menos entusiasta do que a que se lê nas avaliações oficiais da troika. O ‘dossier’ da energia é preocupante. Na lei laboral, a OCDE diz que ainda há muito por fazer. A desvalorização fiscal volta a estar em cima da mesa.

Further reforms of the labour market are necessary. Institutional settings have stifled employment and generated a dualistic labour market that undermines productivity growth, as workers with short-term contracts are less likely to invest in human capital and those with permanent contracts have insufficient mobility. Efforts are going in the right direction to reduce duality, with significant reforms legislated recently, such as the reduction of severance payments, following an agreement with social partners. However, dominant firms impose wage and working conditions on others via the administrative extension of collective agreements, reducing competition and entry, thereby hurting competitiveness. Dualism would be further eased by reducing severance pay and tackling delays and uncertainty in litigation over dismissals. Finally, cutting non-wage costs for the low-paid could help boost employment prospects of the less qualified.