Inflação a subir. Ou a descer?

A inflação está a subir na Zona Euro. O Eurostat divulgou dados esta semana e ficámos a saber que entre Setembro e Outubro a inflação relevante (HIPC) acelerou de 0,4 para 0,5%.

Poucas pessoas embandeiraram em arco, porque 0,5% ainda está longe, muito longe, da meta dos 2%. Mas, no geral, o tom foi de consolação: estamos longe, mas estamos a aproximar-nos. E o que conta é a tendência. O i, por exemplo, escreve que:

Os números revelados ontem são (sic) proporcionando um pequeno conforto para o Banco Central Europeu (BCE), que tem uma preocupação permanente com a inflação muito baixa no bloco dos países que partilham a moeda única.

Mas seria muito sinal se o BCE se sentisse reconfortado com estes números. Isso significaria que está mais preocupado com a avaliação que os observadores desatentos fazem do seu trabalho do que com o cumprimento escrupuloso e efectivo do seu mandato.

Continuar a ler

Pelo cumprimento das regras

 

Nesta discussão das sanções há um argumento recorrente: se a Europa em 2003 já perdoou a Alemanha, e fechou os olhos à França, com que direito vem agora tratar Portugal e Espanha de forma diferente? A ideia é apelativa e fácil de perceber, mas não me parece que seja a melhor estratégia de combate. Pelo contrário, o cumprimento das regras devia ser uma bandeira do Governo português.

Ponham-se no lugar de quem está em Berlim. As preocupações de um alemão, justificadas ou não, são simples: garantir que não são forçados a emprestar mais dinheiro à periferia, expondo-se a um possível default. Serão as preocupações legítimas? Claro que sim: ninguém gosta de perder dinheiro. (Os lesados do BES não gostaram, e a causa parece ter gerado muita solidariedade por aí fora). E será este cenário possível? Sem dúvida: Portugal tem uma dívida pública elevada, enormes necessidades de refinanciamento (já ‘acende luzinhas’ no FMI) e, convenhamos, não parece muito preocupado com isso (ver aqui e aqui).

Continuar a ler

Em alemão, “dívida” quer dizer “culpa”

Já me tinham dito isto algures, mas nunca me dei ao trabalho de confirmar. Agora li o mesmo no New York Times, pelo que suponho que seja mesmo verdade. Para os alemães, a palavra “schuld” tanto serve para dívida como para culpa. Daí, supõe-se, a aversão visceral dos germânicos à dívida pública e a intransigência para com a a Grécia, a maior pecadora da Zona Euro.

Mas não é só na Alemanha que a análise linguística permite olhar para as profundezas do imaginário colectivo da nação. Em Portugal, por exemplo, a palavra “treinador”, como um dia relembrou Abel Xavier, também pode ser decomposta nas partículas “treina” + “a” + “dor”. Um treinador tem de ser um lutador: luta-a-dor. E tem de ser um vencedor: vence-a-dor. Ser treinador é doloroso. Aguentar as agruras do banco não é para qualquer um.

Continuar a ler

Bernanke sobre a Alemanha

German wage hikes: a small step on the right direction, por Ben Bernanke. Infelizmente é curto, mas a ideia é a que tentei fazer aqui: o aumento da procura interna na Alemanha não é uma concessão que esta faz aos países periféricos, mas algo que faz sentido do seu próprio ponto de vista. Não há perda de emprego em favor dos PIGS, mas sim uma alteração das fontes desse crescimento. Pelo meio, ajuda-se a Grécia & companhia a reduzir a sua dívida externa, sem assumir perdas ou perdoar dívidas. É um win-win.

Allowing wages to rise is not a concession by Germany but rather part of what the country signed on to when it joined the euro zone. Germany has been insistent that the so-called peripheral countries increase their competitiveness through slower wages rises or even wage cuts. Wage increases in Germany are an equally important, and symmetrical, part of this necessary adjustment process. Moreover, this adjustment involves no German sacrifices. German firms, which will be slightly less cost-competitive, may export less but they will also see greater demand at home. German workers are unambiguously better off, receiving higher wages commensurate with their higher productivity.

The wage increases are steps in the right direction, but relatively small steps. More gains for German workers in the future would be both warranted and a win-win proposition for Germany and its trade partners.

Choque e pavor

A Comissão Europeia a pedir um estímulo orçamental à Alemanha. Parece estranho? Mas é o que está a acontecer no Vox. A ler com atenção What is a ‘responsible’ fiscal policy today for Europe?, por Marco Buti. A ideia fundamental é que, depois de se pesar os dois factores – sustentabilidade da dívida e output gap -, a Alemanha devia fazer bem mais do que está a fazer para estimular a economia. Nota: e isto não leva em conta o problema das contas externas.

In an uncertain world, fiscal policy must be robust to a range of models. This column introduces a rule of thumb governing fiscal expansion that is consistent for a group of countries, and for each country individually. Applying this rule to the Eurozone recommends overall fiscal neutrality, with moderate consolidation in France and Spain, lower consolidation in Italy, and moderate stimulus in Germany. This policy is optimal for Germany even without taking into account positive spillovers to other members.

Ganância ou ignorância

Getting the german argument right, por Simon Wren-Lews. O autor toca num ponto importante, que tentei explicar aqui: estímulos monetários e/ou orçamentais a nível europeu não são um ‘mal menor’ ao qual a Alemanha deva fechar os olhos – são algo em que os  próprios germânicos têm interesse. A partir do momento em que se percebe que o realinhamento de competitividade é uma realidade, a única opção que temos é decidir se o ajustamento se faz através de inflação acima da meta na Alemanha ou via recessão e deflação na periferia. Desse ponto de vista, a posição da Alemanha é muito mais o resultado da ignorância do que da ganância.

The problem with the second argument is twofold. First, it tunes in with the popular sentiment in Germany that the country is yet again being asked to ‘bail out’ its Eurozone neighbours. Second, it implicitly suggests that the current German macroeconomic position is appropriate, but that Germany must move away from this position for the sake of the Eurozone as a whole. The obvious German response is to list all the reasons why their economy is currently on track (see, for example, Otmar Issing in the FT recently), and suggest therefore that other countries should look at their own policies for salvation. This is how we end up needlessly discussing structural reforms in France, Italy and so on.

The uncomfortable truth for Germany, which both the previous arguments can miss, is that the appropriate macroeconomic position for Germany at the moment is a boom, with inflation running well above 2%. The current competitiveness misalignment is a result of low nominal wage growth in Germany over the 2000 to 2007 period, which was in effect (and perhaps unintentionally) a beggar my neighbour policy with respect to the rest of the Eurozone. Germany’s current position is unsustainable, as its huge current account surplus and relative cyclical position shows. It will be corrected by undoing what happened from 2000 to 2007. Over the next five or ten years, German inflation will exceed the Eurozone average until its long term relative competitive position is restored.

The only choice is how this happens. From the perspective of the Eurozone as a whole, the efficient solution would be above 2% inflation in Germany, and below 2% inflation elsewhere. That is what would happen if the ECB was able to do its job, and Germany would get no choice in the matter. Normally above 2% inflation in Germany would require a boom (a positive output gap), but if it can be achieved without that fine, although I would note that current German inflation is only 0.8%. Arguments that point to currently low unemployment and a zero output gap in Germany are therefore irrelevant while German inflation is so low. The inefficient alternative solution is for 2% or less inflation in Germany, and actual or near deflation outside. Why is this solution inefficient? Because to get inflation that low outside Germany requires the Eurozone recession we are now experiencing

This is where structural reforms enter. Many German commentators say ‘why cannot other countries do what we did from 2000 to 2007’? But low nominal wage growth in Germany from 2000 to 2007 was accompanied by a recession in Germany! Furthermore, that recession was not so bad as the current Eurozone position, because the ECB was able to do its job and cut interest rates, so inflation outside Germany was above 2%. So from 2000 to 2007 many countries had to experience above target inflation because of low nominal wage growth in Germany, [2] yet many in Germany want to avoid above target inflation while imbalances are corrected.

If your starting point is what happened in Germany from 2000 to 2007, then current German arguments can look incredibly self-centred. They seem to say: we suffered a recession from 2000 to 2007 which led to a beggar my neighbour outcome, now you have to suffer a worse recession to put right the problem we created. But as I have argued before, and which comments on my recent posts and readings confirm, I think the German position is more about ignorance than greed. I also suspect there is a great deal of macroeconomic ignorance outside Germany as well, which is why Germany has been able to impose a recession on the rest of the Eurozone. Take for example this paper by Michael Miebach, who speaks from the left of centre in Germany.

Miebach presents a wide range of macroeconomic fallacies or irrelevant arguments. Germany’s fiscal position is not good (irrelevant in a liquidity trap), its macroeconomic position is not too bad (when it should have above 2% inflation, which probably requires a boom), fiscal expansion in Germany would have only a small impact on the periphery (but what we should be talking about is fiscal expansion in all the main Eurozone economies, which this paper confirms would help the periphery as well as France, Italy etc, and expansion in Germany would benefit countries like the Netherlands), and the old canard about how focusing on demand distracts attention from dealing with structural weaknesses in the Eurozone. But most revealingly we have this.

Argumentos para alemão ver

Defender uma solução europeia para a crise tem muito que se lhe diga. As ‘soluções europeias’ de que ouço falar implicam, de uma forma ou de outra, pôr a Alemanha a perdoar a dívida da periferia – e, presume-se, a financiar os empréstimos que continuariam a ser contraídos. O facto de este ser um jogo de soma nula, em que os ganhos de uma parte são conseguidos às custas da outra, torna difícil apresentar esta ‘solução’ como algo minimamente aceitável aos olhos alemães.

Uma linha mais razoável de argumentação teria obrigatoriamente de levar em conta que do outro lado da mesa há alguém com interesses próprios, e com preocupações mais prementes do que apenas facilitar-nos a vida. Felizmente, há vários argumentos mais persuasivos.

Há um argumento económico de peso para que a Alemanha estimule a sua procura interna. Caso se materializem as piores previsões – uma nova recessão na Zona Euro –, esta pode ser a única forma de garantir as poupanças alemãs acumuladas durante a última década não sejam destruídas pela falência dos devedores.

O segundo argumento é que a inflação parece estar progressivamente a desancorar-se da meta dos 2% (ao contrário do que se verificava há alguns meses) e a política monetária está a ficar sem armas para combater esta tendência. Dizer que a inflação está prestes a ficar fora de controlo é algo que costuma fazer os alemães perderem a cabeça, por isso neste caso bastava trocar ‘inflação’ por preços e fazer um framing conveniente (por exemplo: BCE não consegue controlar preços e só Berlim pode impedir espiral descontrolada).

Há ainda um terceiro argumento mais refinado: defender que a acumulação de desequilíbrios externos desde o ano de 2000 não é o resultado do despesismo dos países da periferia mas sim da poupança alemã, que forçou o BCE a fixar as taxas de juro em valores demasiado baixos e assim estimular a procura interna. Claro, este é um argumento moral – mas tendo em conta que, enquanto tese académica, até está provavelmente mais correcta do que a sua versão invertida, não vejo por que não o aproveitar.

Finalmente, há ainda um bom argumento para fazer com que a Alemanha assuma, através do seu Orçamento, a responsabilidade de estimular a procura interna – e que vem precisamente da própria Comissão Europeia.

Primeiro, uma pequena introdução. As regras orçamentais existentes instituem uma série de ‘proibições’ que visam impedir os Governos europeus de cometer erros grosseiros – limites à dívida pública, ao défice estrutural, etc. Mas não há qualquer indicação relativamente à orientação da política orçamental. Desde que essa orientação se conforme genericamente aos ‘tectos’ impostos pelos Tratados, está tudo ok.

Mas no caso de um regime de câmbios fixos, como o que vigora na Zona Euro, a política orçamental deve também cumprir um importante papel de estabilização económica. Idealmente. Ora, um país que se depare com uma severa recessão e tenha o saldo estrutural nos -0,5% prescritos pelo Tratado Orçamental tem uma margem de manobra para acções discricionárias praticamente nula*. As regras não permitem compatibilizar os dois objectivos, pelo que a meta das finanças públicas acaba por se sobrepor à da estabilização do ciclo.

Continuar a ler