Apesar de o novo pacote ser provavelmente neutro ao nível das contas públicas, o mesmo não se pode dizer acerca do impacto que tem no comportamento dos agentes económicos. A mexida da TSU parece ter claramente como objectivo simular a ‘desvalorização fiscal’ proposta pelo FMI, que por sua vez já tentava simular uma desvalorização cambial. Se é este o objectivo, como parece ser, vale a pena salientar alguns pontos.
A reforma do FMI propunha uma descida das contribuições sociais. A proposta do Governo é subir as contribuições sociais, mas de tal forma que a subida incida sobra o salário líquido do trabalhador, desafogando, como contrapartida, a factura salarial do empregador. A curto prazo, a medida pode permitir às empresas que têm a ‘corda na garganta’ e não conseguem reduzir salários (devido à rigidez nominal) ganharem algum espaço de manobra e assim evitar falências e mais desemprego.
No longo prazo, contudo, esta reforma corresponde a um salário de equilíbrio mais baixo, com uma oferta (e procura) de trabalho igualmente mais baixa. Questão: o novo mix é para ficar? O efeito negativo desta medida (no longo prazo, como é evidente) actua em sentido contrário ao efeito positivo de algumas das reformas estruturais actualmente em curso. Seria importante haver um plano para alterar esta situação.
Outro ponto importante: desde há algum tempo que há uma cisão entre os economistas que lêem a subida dos Custos Unitários do Trabalho como um resultado da degradação da posição competitiva externa de Portugal, produto de um deficiente mecanismo de formação de preços (a posição do FMI, aparentemente), e os que interpretam esta subida como resultado de um crescimento excessivo da procura interna, que aumentou os preços e salários do Sector Não Transaccionável (Campos e Cunha e Lebre de Freitas – ver aqui, por exemplo).
Se o FMI estiver certo, as empresas deverão, na sua generalidade, reter a folga permitida pela descida das contribuições sociais; mas se a segunda perspectiva for a correcta, então é expectável que haja subidas salariais nalguns sectores (sobretudo, de forma paradoxal, nos mais expostos à concorrência externa) através das quais a mesma folga seja redistribuída entre o capital e o trabalho. Quem faz trabalho empírico deve estar atento. Não é todos os dias que se tem uma experiência quase-controlada em economia.