Um PIB aos pulinhos

A convergência para a média é um conceito simples e poderoso. Permite explicar muitos fenómenos interessantes e que à primeira vista não partilham quase nada em comum – desde a melhoria da situação clínica de pacientes que experimentam terapias alternativas, até ao aparente sucesso das chicotadas psicológicas no futebol. O processo é sempre o mesmo: uma ilusão de óptica causada pela aleatoriedade presente em quase todos os fenómenos da existência humana.

E, contudo, a maior parte das pessoas tem imensa dificuldade em aceitar explicações desta natureza. A ideia de que ‘tudo o que sobe tem de descer’, e que portanto resultados extraordinariamente bons tendem a ser seguidos por resultados menos bons (da mesma forma que os ciclos negativos acabam por chegar ao fim), não é intelectualmente satisfatória. Não sacia aquele desejo muito humano de procurar causas identificáveis a gerar efeitos observáveis. Por essa razão, estamos condenados a viver num corrupio incessante de ‘surpresas’ e ‘desilusões’ que se seguem umas após as outras, identificando surtos de optimismo e ciclos de más notícias onde provavelmente não há nada mais do que simples ruído.

A evolução do PIB no segundo trimestre é, suspeito, um bom exemplo disso mesmo. À primeira vista, parece uma enorme travagem. O PIB cresceu 0,2% em cadeia, depois de três trimestres a crescer entre os 0,7 e 1%. Mas será que o PIB está hoje muito acima – ou muito abaixo – do que se esperava que estivesse? Não. O PIB está mais ou menos onde devia estar segundo as previsões feitas pela Comissão Europeia em meados de 2015: com um valor trimestral (a preços constantes) na casa dos 44,3 mil milhões de euros.

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Riqueza das famílias portuguesas: de 2010 a 2013

O INE acabou de publicar o Inquérito à Situação Financeira das Famílias, um relatório rico e detalhado acerca da situação patrimonial e financeira dos portugueses.

É o tipo de coisa que pode dar jeito a jornalistas que estejam interessados – por exemplo – em saber quanto é que a ‘classe média’ tem guardado no banco. Ou qual o valor do seu património imobiliário. Ou quantas pessoas têm acções e outras aplicações financeiras, e onde estão essas pessoas na escala de rendimentos. Nesta altura – e talvez durante os próximos dois anos – pode ser um recurso valioso.

Eu dei uma vista de olhos nos principais números, que actualizam para 2013 as informações que tinham sido divulgadas pela última vez em 2010. O que mais me chamou a atenção foi a variação da riqueza financeira líquida (activos menos passivos) ao longo da escala de rendimentos.

Os números são mais ou menos estes. De 2010 para cá, as duas ‘abas’ da distribuição de rendimentos (‘ricos’ e ‘pobres’, para simplificar) não tiveram sortes iguais. quem estava no grupo dos 20% mais pobres perdeu quase metade do seu património (primeira coluna à esquerda); quem estava do outro lado acabou por ganhar. Ligeiramente, mas ganhou.

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Concluiu-se mais ou mesmo ou mesmo quando dividimos a amostra não por percentis de rendimento, mas por percentis de riqueza. Neste caso, as diferenças entre os extremos são, por razões óbvias, bastante maiores. Mas o ponto do parágrafo anterior mantém-se: quem estava no fundo perdeu, e quem estava lá à frente ganhou (Nota: nem todos estes números estão disponíveis no destaque do INE. Alguns valores tiveram de ser retirados do boletim de 2010)

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Mas confesso que não sei até que ponto é que estes dados não ser um subproduto da forma como os dados recolhidos. A nota metodológica do INE sugere que estes são dados seccionais – isto é, o INE pega nos resultados de cada ano e ‘divide-os’ por escalões de rendimento (ou riqueza) e calcular estes valores. O que não significa que os mais ricos de 2010 tenham ganho em 2013, e que os mais pobres tenham perdido. É perfeitamente possível que de um inquérito para o outro tenha havido uma recomposição das famílias que compõem o lote de ‘ricos’ e de ‘pobres’. Na prática, portanto, estaríamos apenas a ver medianas de riqueza de grupos diferentes.

Em todo o caso, o boletim é uma óptima fonte de informação para conhecermos melhor a sociedade portuguesa – mesmo que nem sempre permita responder às perguntas que achamos mais interessantes.

Emprego: comparações alternativas

O Inquérito ao Emprego do segundo trimestre, divulgado ontem pelo INE, confirmou os resultados globais dos números mensais – ou, pelo menos, dos números mensais revistos, (já que os valores preliminares não pareciam grande coisa). O número de desempregados caiu, o número de empregos aumentou, e a taxa de desemprego recuou. Tudo normal, tudo esperado e tudo boas notícias.

O passo seguinte é perceber quão boas são as notícias, porque convém ter uma ideia da magnitude da criação de emprego. E porque, enfim, bem lá no fundo todos gostamos de ler aquelas notícias a comparar o número de empregos que cada Governo criou num certo período de tempo. Por exemplo, o Carlos Guimarães Pinto faz aqui uma comparação do volume de criação de emprego, concluindo que “se os números do emprego do 2º trimestre são indicadores de alguma coisa é de que a economia está a desacelerar e de que está a ser perdida capacidade de criar emprego”.

O tipo de comparação faz sentido, mas acho que é mesmo preciso levar em linha de conta o factor ‘programas ocupacionais’. As oscilações do número de pessoas ocupadas foram tão grande ao longo dos últimos anos que afectam decisivamente os números do emprego, independentemente dos períodos e termos de comparação. É por isso que nos últimos tentei, sempre que possível, limpar este factor da análise do emprego. Este não é um factor menor.

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