Juros a descer. E não sei se já repararam, mas…

Há alguma coisa a passar-se com as taxas de juro portuguesas. Não sei se todos repararam, mas no último mês aconteceu isto com as yields das obrigações a 10 anos (fonte: Bloomberg).

Sem Título

Isto foi no último mês. A tendência de descida, porém, vai um pouco para lá de 19 de Abril. As condições financeiras parecem estar a melhorar mais ou menos desde o início de Fevereiro, quando os juros atingiram os 4,244%. A partir daí foi sempre a descer, e se excluirmos a subida ‘técnica’ de meados de Março (causada pela mudança de benchmark nos terminais da Bloomberg e da Reuters), então a redução acumulada da yield já vai nos 1,3 pontos percentuais.

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Acções e obrigações: 30 anos a disparar ao lado

Bom, parece que não é só nos mercados monetários e de rendimento fixo – obrigações e coisas do género – que os economistas têm feito previsões sistematicamente enviesadas. As projecções para o retorno das acções (earnings per share) feitas desde 1985 também não são famosas:

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Isto é o que nos diz a Economist, num gráfico que eu já devia ter colocado aqui há muito tempo. Cada linha mostra como uma determinada previsão para os earnings per share evolui no tempo – ou, melhor ainda, a forma como os earnings per share efectivos divergem da previsão inicial à medida que o tempo passa.

A história que a imagem conta é clara: os resultados das acções têm sido sempre (ou quase sempre) inferiores ao inicialmente projectado. Os analistas estão a errar o alvo desde 1985 mas, por alguma razão difícil de perceber, não conseguiram incorporar este enviesamento sistemático no modelo de previsão. Como o atirador que dispara sempre à direita do prato, e não se apercebe de que se ajustar a mira para a esquerda deve, em princípio, reduzir a taxa de erro.

Onde é que já vimos isto antes? Parece-me que o padrão mimetiza o que está a acontecer nos mercados de obrigações, onde o consenso também tem sistematicamente apontado para rendimentos superiores aos que acabam por se verificar. Já falei sobre isso no meu post clickbait favorito: Os juros descem há 30 anos (e ninguém deu por ela):

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Há uma explicação muito simples para a descida ‘secular’ das taxas de juro: factores demográficos e o abrandamento da produtividade. Se há menos pessoas a consumir, e se as inovações têm um retorno menor, a procura por investimento deve diminuir, o que faz baixar a taxa de juro (ver aqui).

Mas, sendo os mercados de capitais ‘porosos’, a descida das taxas de juro devia também forçar uma alteração no retorno das acções – caso contrário, os investidores trocariam um título pelo outro, lucrando com o processo de arbitragem. O gráfico da Economist sugere que esse processo pode já estar em marcha há já algum tempo.

Ou… talvez não. A verdade é que não tenho tanta facilidade em interpretar os earnings per share como a ler taxas de juro simples. Além do mais, a imagem mostra que as previsões têm sido sistematicamente optimistas, mas não revela o nível dessas mesmas previsões, o que torna mais difícil fazer uma comparação clara com as taxas de juro.

Será que é mais uma peça para perceber o puzzle da Estagnação Secular? Ou estou só a usar os óculos errados para ler um fenómeno trivial? Comentários são bem-vindos.

A bolsa parece barata, afinal de contas

Não é bem que pareça barata à primeira vista. Mas com mais algum cuidado na análise, e levando em conta um ou outro factor que provavelmente queremos levar em conta, a ideia de que há uma bolha na bolsa americana parece menos razoável do que se supõe.

A tese da bolha está apoiada numa série de indicadores e rácios. Também está, diria eu, apoiada num preconceito do sector financeiro contra a política monetária actual (basta relembrar a polémica das taxas de juro “artificialmente baixas” – ver aqui e aqui). Mas por agora vamos concentrar-nos nos rácios, como este, que relaciona o preço das acções com os seus resultados:

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O rácio entre os dois está ao nível atingido em 2007, mesmo antes do colapso, e bem acima da norma (sendo aqui a ‘norma’ o valor de 1980 a 1995). Tem cara de bolha.

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Salvar banqueiros

Uma excelente entrevista de Ricardo Reis, hoje no ECO. Há duas ou três coisas de que discordo muito, mas na parte da banca, pelo menos, acho que vale mesmo a pena ir ler. Por que é que não há mais gente a explicar as coisas de forma tão didáctica? Isto não é física quântica.

Um dos objetivos da União Bancária foi impedir que fossem os contribuintes a pagar a falência dos bancos. Pensa que se conseguiu atingir esse objetivo? Uma das maiores preocupações das pessoas é que andam a salvar bancos, os seus impostos andam a salvar bancos…

É preciso esclarecer essa afirmação. Infelizmente, tornou-se um ditado popular que não é bem correto: de que o dinheiro dos contribuintes anda a salvar bancos (…) Em primeiro lugar, mas talvez o ponto menor, os contribuintes emprestam dinheiro ao banco, que por sua vez vai tentar recuperar os créditos. Se os recuperar reembolsa o contribuinte. No entanto, vamos ser claros, muitos dos empréstimos acabam por não ser pagos. O que é que acontece quando o contribuinte salva um banco? O que é salvar o banco? Um banco é uma entidade abstrata. Os acionistas do banco em todos os resgates – BPN, BES, Banif – perderam todo o seu dinheiro. Os administradores perderam o emprego e alguns acabaram na cadeia. Os gestores de topo destes bancos acabaram quase todos sem emprego à procura de emprego noutros bancos.

Alguns nem podem voltar a trabalhar em bancos…

Alguns nem conseguem. Não estamos a falar de salvar acionistas, CEOs, nem diretores. Quem é que nós salvámos? Salvámos alguns trabalhadores que mantiveram o emprego, mas mesmo esses não salvámos muitos, porque esses bancos estão em alta redução de pessoal. O que aconteceu é que os bancos emprestaram dinheiro a muita gente. E pediram dinheiro emprestado a muitos depositantes. Quando esta muita gente não pagou ao banco, os depositantes iam ficar sem o seu dinheiro. Quem nós salvámos foi os depositantes (…) O banco é uma entidade muito abstrata e que serve para imaginar um banqueiro gordo de charuto na boca a quem se salvou. Mas quem nós salvámos foram os muitos depositantes que tinham dinheiro no BES e que o recebeu todo. E salvámos também, se quiser, as pessoas da lista de devedores do BES, nas quais estão muitas pessoas reputadas da sociedade portuguesa, que deviam centenas de milhões e não pagaram. Não salvámos os banqueiros de forma alguma.

(…)

Voltemos a Portugal: uma das perplexidades com que nos debatemos é que a troika esteve aqui tanto tempo e não percebeu que havia um problema no sistema financeiro. A troika não viu ou não quis ver?

É difícil fazer esse diagnóstico. Existem ótimos livros a escrever por parte dos jornalistas bem informados que queiram fazer essa investigação de uma forma séria. É claríssimo, e basta olhar para as minutas e programas da troika, que não houve uma reunião que não se apontasse para as fragilidades do sistema financeiro português. Portanto, não se pode dizer que eles não tenham visto ou que não tenham apontado que havia um problema. A troika disse que o sistema financeiro português estava em grandes apuros, com certeza. A diferença é até que ponto é que a troika devia ter imposto algumas medidas ou não. E até que ponto é que elas tinham levado a um melhor desempenho ou performance.

O que é que devia ter sido feito?

Não vamos dizer devia, porque depois vamos os dois avaliar se ela devia ter feito isto. Podia ter dito: vamos chamar uma avaliador de ativos internacionais, para passar a pente fino o balanço dos bancos portugueses e dizer de facto quanto crédito malparado existe e qual é o valor que existe. Essa avaliação estaria concluída no final de 2011, demorava um ou dois meses. Descobríamos que o BES estava completamente falido, que o Banif estaria completamente falido, que o BCP estava basicamente completamente falido. E que o BPI estava mais ou menos na linha de água. Nessa altura, a troika diria “temos que fechar estes bancos”. Imediatamente no espaço dos próximos dois meses. Começar do zero, tendo em conta que os seus balanços estão maus. Criar três novos bancos no espaço de dois ou três meses.

Seguir o modelo irlandês.

Era isto. Isto levaria a que hoje estaríamos melhor ou não? O que posso dizer, com bastante segurança, é que isto tinha levado a uma enorme crise no final de 2011, início de 2012, no sistema financeiro. Uma enorme perda de confiança dos depositantes portugueses no sistema financeiro português. Uma enorme pressão sobre as finanças públicas de forma a poder garantir os depósitos de todas essas pessoas. Tendo em conta o que sabemos da influência dos acionistas destes bancos na comunicação social, assim como dentro das elites políticas portuguesas, que isto tinha sido recebido com uma enorme violência por todos os painéis de comentadores de todos os noticiários da noite. Não tenho dúvidas que ia haver muitos editoriais inflamados dos melhores jornalistas e comentadores portugueses diariamente a dizerem “a troika está a destruir o nosso país, como podem eles fazer isto?”. Parece-me que na altura se fizesse a pergunta à maioria da inteligência portuguesa, a maioria diria que a troika tinha errado profundamente ao fazer esta avaliação dos ativos e ao fechar 70% ou 50% do sistema financeiro português. Agora se chegando a 2016 isto tinha implicado que tínhamos limpado os balanços e tínhamos um Novo Banco 1, Novo Banco2, Novo Banco3 e Novo Banco 4 e tínhamos um sistema financeiro muito mais sadio e entretanto tinha havido uma recuperação maior? Talvez sim. Talvez não. Mas é esta a alternativa de que falamos quando dizemos que a troika errou e que devia ter feito mais…Como se “fazer mais” fosse tornar as coisas mais doces e só tinha benefícios em relação ao que foi feito. É preciso ver que esta é a alternativa. Devia ter sido feito? Eu tenho algumas opiniões, mas mais do que as opiniões é informar as pessoas sobre qual era o cenário alternativo, com uma intervenção mais musculada. Muitas pessoas na troika gostariam de ter feito isto. Teria sido melhor, teria sido pior? Responda você ou a pessoa que está a ver ou ler esta entrevista.

 

O que se passa na Venezuela?

O Miguel Madeira devia escrever mais vezes sobre estes temas: A crise venezuelana.

Bem, cá vai: na minha opinião o que está a acontecer na Venezuela é o que acontece quando combinamos um governo de esquerda com câmbios fixos sobre-valorizados (um governo de direita com câmbios sobrevalorizados dá a Argentina na viragem do século).

Para manter um câmbio fixo com a moeda de outro país, o banco central tem que ter uma reserva de moeda estrangeira que lhe permita trocar a sua moeda por moedas estrangeiras sem desvalorizar (…)

Sendo um governo de esquerda, supostamente não vai fazer políticas de austeridade para arrefecer a economia e assim reduzir as importações; assim, nos primeiros tempos as reservas de divisas do banco central vão-se esvaziando, para pagar as importações.

Chega uma altura em que as reservas se tornam tão pequenas que se torna necessário limitar as importações; isso pode ser feito abertamente, pondo limites quantitativos e qualitativos às importações, mas muitas vezes é feito de forma subretícia, simplesmente atrasando os despachos favoráveis aos pedido para trocar bolivares ou escudos por dólares e apresentando um problema financeiro como sendo apenas um problema administrativo de “demasiada burocracia” (em Portugal, penso que o sistema de limitar as importações era exigir que quem importasse tivesse que preencher um formulário especial – o “Boletim de Registo de Importações” – e depois imprimir uma quantidade limitada desses impressos).

A limitação (aberta ou encapotada) das importações tende a produzir uma escassez no mercado de produtos importados, e em principio ao aumento dos preços (lei da oferta e da procura em ação); por outro lado, tende também a levar a situações em que “conhecer alguém no Ministério” pode ser decisivo para uma empresa conseguir importar produtos (suspeito que isso funcionará ainda mais nos sistemas de limitação subretícia das importações, em que dá mesmo jeito ter um amigo que faz o pedido passar para cima na pilha de documentos para autorizar).

Frequentemente o aumento dos preços leva a decretos congelando-os, mas isso só agrava ainda mais a escassez.

No final, o governo acaba por desvalorizar a moeda, mas aí já é tarde e a curto prazo o único efeito da desvalorização é subir ainda mais os preços.

Ou seja, uma situação de escassez de bens importados e/ou inflação brutal, que parece-me ser exatamente o que está a acontecer na Venezuela (aqui, penso que o que originou a sobre-valorização foi a queda do preço do petróleo, que diminuiu o valor das exportações, e assim levou a que a atual cotação bolivar-dólar deixasse de ser sustentável).

No caso de um governo de direita a segurar um câmbio fixo sobrevalorizado, o resultado costuma ser os bancos centrais a subirem as taxas de juro para atraírem capitais estrangeiros, e assim lançando a economia numa recessão quase permanente.

Ou seja, o resultado de câmbios sobrevalorizados + políticas de esquerda é uma crise do lado da oferta, com escassez de produtos; já para câmbios sobrevalorizados + políticas de direita o resultado é uma crise do lado da procura, com desemprego e falências em cadeia.

FMI contra João Salgueiro

Bom, não é bem contra João Salgueiro. Mas, para quem segue este blogue, este é um bom atalho para descrever a ideia em causa: a teoria de que baixar juros reduz tanto a remuneração dos activos que acaba por ser um tiro no pé em termos macroeconómicos – e passa, por vias travessas, uma certidão de óbito ao sistema financeiro.

Está tudo no Relatório de Estabilidade Financeira. Obrigado ao Miguel Madeira pela chamada de atenção.

Unconventional monetary policies, including quantitative easing and negative policy rates, continue to be crucial to address the weak macroeconomic environment. Banks are key beneficiaries of these policies overall, as improved price stability and growth lead to stronger borrower creditworthiness, a decline in nonperforming assets, reduced provisioning costs, capital gains on bond holdings, as well as declining wholesale funding costs.

Markets and policymakers have little historical basis for understanding the full benefits and costs that may arise over a prolonged period of low or of negative rates. The interests of banks and the broader economy may diverge in some respects. Credit easing, driven by low or negative rates, may lower costs to households and firms, support asset prices, and boost growth—good news for the real economy.

But there may be some adverse side effects for banks. By driving down costs of borrowing for the real economy, unconventional monetary policy appears to compress banks’ net interest margins, a key source of bank income. Negative interest rates may be unique in accelerating this margin compression over time, as banks have so far proven unwilling or are legally unable to pass on negative rates to retail depositors. As negative policy rates bring asset yields lower, deposit funding costs may get “stuck” at zero, squeezing the margin between the two.

 

Those we don’t speak of

“I have only eight seconds left to talk about capital controls. But that’s OK. I don’t need more time than that to tell you: they don’t work, I wouldn’t use them, I wouldn’t recommend them…”

Agustin Carstens, Governador do Banco do México.

A citação de Carstens (retirada daqui), é uma boa súmula da visão convencional acerca de controlos de capitais. Ou pelo menos era até 2012, quando o FMI revisitou a questão e veio a público dizer que a gestão de fluxos financeiros devia, em certas circunstâncias, manter-se como uma opção aberta no toolkit dos decisores políticos (vejam a Institutional View on Capital Controls).

Mas por que é que a visão defendida por Carstens se enraizou de forma tão profunda na cabeça dos policymakers? Há razões económicas que justifiquem a desconfiança profunda com que os controlos de capitais são encarados? Ou está-nos a escapar alguma coisa?

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Um zombie que tarda em morrer

O Banif foi alvo de uma medida de resolução, com perdas enormes que estão ainda por quantificar. Aconteceu o mesmo com o BES em 2014, e aconteceu novamente esta semana. No resto do sector bancário não houve mais medidas de resolução, mas houve problemas da mesma natureza – imparidades – que levaram a consequências semelhantes: insuficiências de capital e destruição de património dos accionistas e credores. De onde veio este buraco enorme, que o Expresso colocou nos 40 mil milhões de euros?

Se o leitor viver no mesmo país que eu, tem a resposta na ponta da língua: foi a “bolha do imobiliário”, o “conluio entre sector financeiro e construção civil”, o “modelo de desenvolvimento baseado no betão”, as “expectativas irrealistas em relação ao preço das casas” ou alguma outra declinação qualquer deste argumento. Afinal de contas, é isto que toda a gente diz, e se toda a gente diz então deve ser verdade.

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Portugal pagava mesmo o dobro de juros sem a ajuda do BCE?

O Banco de Portugal fez um estudo (Boletim Económico, página 33) acerca do impacto financeiro das medidas não convencionais do BCE (UMP, na sigla inglesa). A análise teve grande impacto na imprensa, com vários jornais a puxarem para título (1, 2, 3) a conclusão que também me chamou mais a atenção: sem as ‘ajudas’ do BCE, Portugal pagaria cerca de 5% na emissão de dívida a 10 anos – mais ou menos o dobro da taxa que paga hoje.

Mas depois de ler o estudo confesso que fiquei com algumas dúvidas, seja acerca da conclusão, seja acerca das suas supostas implicações. Deixo aqui algumas. Quem quiser continuar a ler, prossiga por sua conta e risco.

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O crédito cresce como nunca. Pudera…

Imagine que lê num jornal de referência que os novos empréstimos para habitação e consumo cresceram “52% e 25% entre Janeiro e Maio, atingindo os valores mais altos desde 2011”. O que faz o leitor? Fica preocupado com a nova orgia de crédito que começa a desenhar-se no horizonte? Ou revira os olhos, respira fundo e vira a página?

Muita gente seguiu a primeira opção depois de ler esta notícia do Expresso: Novo crédito dispara para as famílias e encolhe para as empresas. Mas, neste caso, a segunda opção teria sido a escolha sensata.

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