Qual é o impacto social das políticas de austeridade? O bom senso sugere alguma relação entre consolidação orçamental e aumento da pobreza. De forma surpreendente, os dados apresentam um desvio significativo face ao que seria sugerido por esta hipótese (fonte: Pedro Magalhães). O problema está nos dados, na hipótese ou noutro lado qualquer?
Chegando tarde a este assunto (veja-se um óptimo comentário de Hugo Mendes, por exemplo), gostaria apenas de acrescentar umas pequenas notas. O caso da pobreza (ver gráfico) é o mais intrigante. Como já foi apontado por vários comentadores, o facto de a linha de pobreza estar indexada ao salário mediano torna a sua leitura complicada, na medida em que torna difícil perceber se o comportamento deste indicador reflecte uma degradação das condições de vida dos mais pobres ou apenas oscilações no indexante. Um problema adicional é que os dados estão mal atribuídos – de forma algo bizarra, nos dados do Eurostat, ‘2012’ quer na verdade dizer ‘2011’.
Congelando a linha de pobreza ao nível de 2008, e atribuindo os valores aos anos correctos, o resultado aproxima-se um pouco mais do que era esperado.

Mas permanecem algumas dúvidas. A taxa de pobreza de Portugal, por exemplo, sobe mais ou menos em linha com a média europeia, o que parece estranho tendo em conta a situação do país. Na Grécia, por outro lado, a derrapagem é extraordinária, e muito maior do que seria justificado pela evolução dos principais indicadores macroeconómicos (mais sobre o tópico em baixo).
Será a composição do ajustamento orçamental português mais equitativa? Alguns estudos indicam que não, mas o que gostaria de propor aqui é que esta questão é de importância limitada para aferir o impacto da consolidação nas taxas de pobreza. Recorro a um exemplo. Imagine-se um processo de ajustamento orçamental que consta única e exclusivamente de um imposto de 50% sobre os rendimentos dos 20% mais ricos. O efeito mecânico desta seria uma redução de salários no ‘topo’, manutenção de salários na ‘base’ e uma consequente diminuição da desigualdade.
Mas a história não termina aqui: depois disto, a redução de salários terá um efeito posterior no consumo das famílias, que acabará por afectar a actividade económica e, consequentemente, o emprego. Assim, para além de efeitos microeconómicos de primeira ordem, é necessário levar em conta os efeitos macroeconómicos de segunda ordem. Os grupos mais vulneráveis podem ser insulados dos efeitos de primeira ordem através de uma cuidadosa calibração das medidas de austeridade (impostos progressivos, cláusulas de salvaguarda, etc.); mas estão tão expostos quanto qualquer outro grupo à contracção do emprego que inevitavelmente se seguirá.
Ora, na medida em que o principal determinante da pobreza é a situação laboral (emprego/desemprego), o segundo efeito tenderá a sobrepor-se ao primeiro. A principal implicação de tudo isto é que a calibração da austeridade não deverá ter grande impacto na variação da taxa de pobreza. Ao mesmo tempo, e na medida em que o canal de transmissão da austeridade à pobreza é a vitalidade do mercado laboral, um processo de consolidação orçamental poderá não afectar a taxa de pobreza se for implementado num momento de crescimento económico.
Podemos exprimir esta ideia comparando a variação da taxa de pobreza com uma medida da variação do emprego e uma medida da austeridade. O segundo painel de cada caso limita-se a retirar a Grécia da amostra. Como se vê, a relação entre austeridade e pobreza praticamente desaparece quando o caso grego é eliminado. Isto porque a pobreza na Grécia aumentou muito mais do que se esperava tendo em conta quer o ajustamento orçamental quer o aumento do desemprego.


Voltando à questão inicial: como se explica o comportamento da Grécia e de Portugal? Aqui vai um palpite (não completamente desinformado, mas ainda assim um palpite). Se ambos os países reagem de forma diferente à subida do desemprego, é possível que isto resulte de o desemprego representar um fardo diferente consoante a nacionalidade. Imagine-se, por exemplo, que a transição emprego/desemprego na Grécia é muito mais dolorosa, em termos de rendimento perdido, do que a mesma transição em Portugal – por exemplo, porque a taxa de substituição (salário/subsídio de desemprego) é menor.
De facto, é precisamente isto que acontece. Do OECD Benefits and Wages Statistics:

Gostar disto:
Gostar Carregando...