Pouco PIB, muito emprego

O que se passa com o mercado laboral em Portugal? No fim-de-semana, até o ministro do Trabalho assumiu que há alguma coisa que lhe está escapar:

Aprendi nos livros que a economia tinha de crescer a 2,5% para que aumentasse o emprego. [O aumento das contribuições] não é muito compatível com um crescimento tão baixo esse é o mistério.

Os livros de economia em causa podem estar um pouco desactualizados. Em Portugal, pelo menos, há muitos anos que se regista crescimento de emprego sem que o PIB cresça acima dos 2,5%. A Lei de Okun, que relaciona a variação da actividade (eixo dos xx) com a variação do número de postos de trabalho (eixo dos yy) sugere que a partir de um crescimento de 0,8% já se nota qualquer coisita no mercado laboral.

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Mas, apesar desta imprecisão, o ministro tem razão no geral. Crescimentos do PIB como os que se têm registado nos últimos anos não deviam vir acompanhados de expansões tão significativas do emprego.

É possível ilustrar isto pegando na fórmula descrita em cima, que relaciona as duas variáveis, e utilizando-a para ‘prever’ a criação de emprego num período posterior. O resultado é, digamos assim, a taxa-de-crescimento-do-emprego-que-se-deveria-verificar-caso-as-relações-históricas-se-mantivessem-inalteradas. E é algo deste género:

ff

A Lei de Okun estimada para Portugal apontaria para crescimentos do emprego abaixo de 0,5%. Na realidade, o volume de emprego está a aumentar entre 1 e 1,5% face ao período homólogo. E, apesar da desaceleração dos últimos trimestres (que pode não passar de ruído). O que se está a passar, afinal?

Deixem-de fornecer uma explicação pouco entusiasmante – ou pelo menos recapitulá-la, caso sejam leitores habituais: é tudo uma questão de regresso à normalidade. O emprego está a crescer acima do que seria esperado pela evolução da actividade porque antes tinha caído muito mais do se esperava.

Voltemos ao gráfico lá de cima. A imagem mostra a relação entre PIB e emprego estimada para o período 1996-2008. Mas o que acontece se no mesmo gráfico acrescentarmos os pontos que descrevem o comportamento das mesmas variáveis ao longo do período de recessão (2009-2013) e durante a recuperação (2014-2016)?

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Ao colocarmos as coisas nesta perspectiva torna-se mais claro o que estará provavelmente a acontecer. Estão a ver os pontos a verde? São a criação de emprego inesperadamente alta – fica sistematicamente acima da recta. Mas os quadrados vermelhos dão-nos o espelho simétrico deste comportamento. Eles mostram como, durante 2008/2013, a destruição de emprego também foi mais além do seria de esperar.

Esta hipótese pode não iluminar grande coisa acerca dos processos subjacentes ao fenómeno (mas então por que é que a relação se quebrou logo em 2009?, é o que apetece perguntar). Porém, faz uma previsão muito clara, testável e inesperada. Se isto for verdade, então a ‘margem’ de que a economia ainda dispóem para criar muito emprego com taxas de crescimento baixas é ditada pela quantidade de ‘desemprego excessivo’ (ou ‘desemprego inesperado’) gerado durante a recessão.

O que na prática corresponde ao nível de desemprego registado ali por meados de 2009: entre 9 e 10% da população activa. Com o desemprego ligeiramente abaixo dos 10,9%, talvez ainda não seja cedo para retirar grandes conclusões. Mas, se este ritmo se mantiver, é provável que não tenhamos de esperar muito tempo para poder tirar a prova dos nove.

P.S.– E quem quiser recapitular toda a história pode seguir os seguintes links. Em retrospectiva, alguns não deixam de ser caricatos: Primeira descida do desemprego em 2013, Por que desce o desemprego?, Não, não é a agricultura, E os períodos de comparação não têm nada a ver com isso, Nem os empregos precários, Nem os estágios do IEFP, Nem a emigração, Nem o emprego público, FAQ: o que está a acontecer afinal?, Teorias da conspiração I, Teorias da conspiração II, Uma explicação provisória: regresso ao normal?, Ziguezagues sazonais, Notas do FMI, Inversão de ciclo ou sazonalidade?, Parece que era a sazonalidade, Será desta que o desemprego sobe?

24 comments on “Pouco PIB, muito emprego

  1. Acácio Pinheiro diz:

    Eu não sou macroeconomista nem especialista nesta área. Mas julgo que é o factor das expectativas que permite ‘desligar’ os modelos econométricos habituais. É isto que a economia mainnsteam não entende, como o Vítor Gaspar bem demonstrou. Sugiro um regresso a Keynes ( cap. 12).

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    • Bom, normalmente a crítica mais habitual à macroeconomia é o facto de levar as expectativas demasiado a sério. (Boa parte dos avanços dos últimos 35 anos decorrem precisamente da incorporação das expectativas)

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  2. Tentativa de explicação – os sectores mais sensíveis ao ciclo económico são os com menos produtividade (talvez uma questão de indústria versus serviços?)

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  3. Ricciardi diz:

    O PIB Nominal está a crescer na casa dos 3%. O que significa que, os manuais de economia antigos continuam a ser fonte credível quando afirmam que a economia gera emprego acima de crescimentos de 2,5%.
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    Rb

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  4. Ricciardi diz:

    Por outro lado, o PIB tem algumas limitações. Creio que no seu cálculo desconsidera várias actividades que produzem empregos e, simultaneamente, não entram no produto. Assim de repente lembro-me duma actividade que suscita muita criação de emprego sem acrescentar produto. Compra e venda de casas usadas que floresceu bastante desde há dois anos.
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    Rb

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    • Em princípio, a compra e venda de usados está incluída no PIB (os próprios usados é que não). Quanto ao nominal vs real, é o segundo que conta na Lei de Okun – se fosse o contrário, então o Zimbábue seria o rei do emprego.

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      • Ricciardi diz:

        Vejamos, o PIB real é, grosso modo, o produto a preços do ano anterior. Mal comparado, seria como avaliar as vendas duma mercearia no ano N a preços do ano N-1.
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        O deflator do PIB é a medida da diferença.
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        O PIB Nominal poder ser zimbabuano (derivado dum aumento nos preços de bens importados por desvalorização da moeda) ou ser uma melhoria no dito PIB pela melhoria dos meios de troca com o exterior. Exportações com maior Valor Acrescentado ou Preços no turismo mais elevados.
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        No caso português não estudei, confesso, donde vem a composição do deflator do PIB, mas parece-me que deriva de dois motivos essenciais. Uma baixa nos preços de bens importados (crude), uma melhoria nos preços no turismo e um preço médio nas exportações maior, talvez devido ao menor impacto nas exportações dos refinados de crude que tem margens reduzidas.
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        Rb

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      • Ricciardi diz:

        Quanto à compra e venda de bens usados entrar no PIB. Nomeadamente imóveis. A informação que tenho é que os imóveis novos construídos serão parte do PIB, mas a sua revenda como usados não entrará para efeitos de PIB.
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        Porque se assim não fosse o PIB seria facilmente manipulável. Comprar e vender o mesmo imóvel varias vezes daria um PiB fabuloso…
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        Rb

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  5. Ricciardi diz:

    Acabei de confirmar. Um bem usado, imóvel ou carro ou outra coisa qualquer usada, não entra para o PIB.
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    O que significa que o crescimento intenso que se fez sentir na compra de imóveis usados nos últimos dois anos não entram no PIB. Porém, esses imóveis usados geram milhares de empregos indirectos. Nas renovações, remodelações, imobiliárias etc.
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    Este sector não justificará a diminuição do desemprego, mas dará uma ajuda substancial creio eu.
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    A ideia de que o desemprego volta à sua taxa natural pré crise, é válida, na minha opinião, se o volume de falências não tiver sido muito elevado nessa crise. Se o desemprego tiver sido uma reação à quebra de vendas.Se tiver sido, ou seja, se foi provocado pelo encerramento em massa de empresas, não vejo grande lógica nesse argumento.
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    Rb

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    • Ricciardi,

      A variação dos termos de troca não é – pelo menos em princípio – contabilizada no PIB. É uma variação de preço pura: se os preços do turismo sobem, esse factor influencia o deflator, e é aí que é capturado.

      Quanto aos imóveis em segunda mão, repare bem no que eu escrevi: a compra e venda estará, os próprios usados é que não. Isto é, a mudança de mãos dos imóveis não aparece no PIB, porque não há criação de riqueza nessa transação. Mas a actividade de intermediação é incluída, da mesma forma que a actividade de retalho é incluída.

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  6. Acácio Pinheiro diz:

    Pedro
    Mas as expectativas a que me refiro são as ‘animal spirits’ não as racionais. E são impossiveis de modelizar. Aliás Keynes enfatizou a diferença entre risco e incerteza pela importância da última.
    Mas a proposta do Miguel Madeira parece-me igualmente importante. Há uma troca de comentários aqui, creio que sobre multiplicadores, em que eu chamei a atenção para o mesmo. Em crise funciona-se na margem, não na média e os trabalhadores e empresas pouco produtivas sairam do mercado.
    A sugestão do Ricciardi faz sentido, embora a actividade ( comissões ) entre no PIB. Mas há tanta informalidade nesse sector que é dificil ter números claros e podem haver milhares de transacções de usados que o PIB não se altera mas o emprego e o rendimento aumentam.
    Mas esta discussão até que é importante, nomeadamente quando estamos a entrar num periodo longo de baixo crescimento.

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    • Bom, se são impossíveis de modelizar, não me parece espantoso que ninguém os tente modelizar.

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      • Acácio Pinheiro diz:

        Pedro
        Exactamente.Por isso é que a matematização excessiva da economia não contribui para modelos preditivos. Podemos sempre estudar e tentar interpretar e parametrizar o passado, mas não há qualquer garantia de que esses modelos sirvam para o futuro, nomeadamente em períodos de crise quando os comportamento se alteram. Evitar fazer previsões, ou então fazer várias, já dizia o Samuelson

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  7. Ricciardi diz:

    “A variação dos termos de troca não é – pelo menos em princípio – contabilizada no PIB. É uma variação de preço pura: se os preços do turismo sobem, esse factor influencia o deflator, e é aí que é capturado.”
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    Sim, mas repare caro Pedro, se os precos do turismo sobem no ano N e isso é capturado no deflator do pib, então isso significa que o PIB Nominal cresce sem que o PIB Real cresça.
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    A diferença entre PIB Nominal e PIB Real é o deflator do PIB. Se os meios de troca com o exterior são favoráveis aumenta o Pib Nominal e isso não é capturado pelo PIB Real (que mede volume e não preços de mercado).
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    Em suma, a criação de emprego pode ser melhor correlacionada com o crescimento do PIB Nominal do que com o PIB Real.
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    Ps. Não vejo grande utilidade na medida do PIB Real, uma vez que é medida a preços desactualizados (ano N-1), mas posso não estar a ver bem a coisa. Talvez para perceber se o volume do produto aumentou. Mas continuo a achar que o que importa para efeitos económicos (impostos, desemprego etc) é o PIB Nominal.
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    Rb

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    • Penso que está a confundir a produção (PIB) com o poder de compra (PIB).

      Vamos lá ver. Se o preço das exportações portuguesas aumentam, não há nenhuma razão para que se impute a essa variação de preço qualquer variação de PIB. Os preços aumentaram, ponto. Mas o país não está a produzir por causa dessa variação de preços.

      Agora, claro que isto permite uma coisa. Se por cada unidade vendida lá fora nós agora podemos comprar mais unidades produzidas lá fora (que é a principal implicação de uma melhoria dos termos de troca), então a economia pode aumentar a quantidade de Importações sem incorrer em dívida adicional.

      Em termos de Contabilidade Nacional, isto vai reflectir-se num aumento do Consumo dirigido às Importações. Portanto, a melhoria dos termos de troca é de facto capturada no sistema estatístico como um alargamento das possibilidades de consumir: o Consumo aumenta, sem repercussões nas contas externas.

      Isto não aparece como aumento do PIB, mas também não é suposto o PIB capturar oscilações deste género – o PIB captura a produção, e essa continua constante.

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      • Acácio Pinheiro diz:

        Julgo que a questão é outra, Pedro. Diz o Ricciardi, e eu concordo, que é melhor correlacionar a variação de emprego com o PIB nominal ( e com as expectativas para o seu crescimento, junto eu). Logo a Lei de Okun não serve para analisar este fenómeno.

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      • Acácio Pinheiro diz:

        Pedro
        Quero clarificar a minha afirmação anterior. Eu sei que a Lei de Okun relaciona desemprego e produto real e parece que apresenta forte evidência empirica. O que quero dizer é que no curto prazo as expectativas ( logo ex ante ) a partir das flutuações do PIB nominal ( melhor da facturação das empresas ) podem determinar decisões de desinvestir ou investir que não são capturáveis pela Lei. Naturalmente que depois há ajustamentos em função da realidade, ex post, e o driver é o PIB real. Por isso se usam séries longas para determinar os rácios por país ( que são muito dependentes da produtividade média e da rigidez da oferta de trabalho ).

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    • “continuo a achar que o que importa para efeitos económicos (impostos, desemprego etc) é o PIB Nominal.”

      Isso não me parece fazer sentido quase nenhum – imagine que tudo duplica de preço, mas que as quantidades físicas efetivamente produzidas se mantêm as mesmas; em principio a quantidade de pessoas empregadas continuará a mesma, o nível de vida dessas pessoas também continuará na mesma (afinal, se a quantidade de bens produzidos fica na mesma…), etc. Os impostos duplicarão, é verdade, mas as coisas que o Estado pode adquirir com esses impostos (ou as coisas que os beneficiários de subsídios podem adquirir) também duplicam de preço, logo também fica tudo na mesma.

      Será que o Rb não está a pensar, não no PIB nominal, mas num PIB real alternativo que tenha como deflator o índice de preços no consumidor (em vez de um índice geral de preços)? Isso sim, já vejo situações em que seria mais útil que o PIB real clássico (não sei se o que eu estou a dizer não será o PIB PPP, mas acho que não).

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  8. jvgama diz:

    Eu tenho outra teoria: a lei Okun dizia isso quando a população crescia a outras taxas. O valor de crescimento necessário para criar emprego depende de factores demográficos.
    Neste momento a população activa em Portugal está a diminuir em vez de aumentar, por isso menos crescimento é necessário para criar emprego.

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    • Acácio Pinheiro diz:

      jvgama
      Pode ser mais concreto? Nãp percebo porque a redução da população activa explique que é necessário menos crescimento para criar emprego

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      • jvgama diz:

        Com crescimento económico real verifica-se a criação líquida de postos de trabalho, e com descrescimento económico real verifica-se a destruição líquida de postos de trabalho.

        Mas imaginemos que a criação líquida de postos de trabalho é nula, o que é que acontece à taxa de desemprego?
        Se a população activa for constante, a taxa de desemprego manter-se-á constante.
        Se a população activa estiver a aumentar, a taxa de desemprego aumenta: há mais pessoas a entrar na população activa que a reformar-se e o número constante de postos de trabalho significa que uma maior proporção não tem trabalho.
        Se a população activa estiver a diminuir, a taxa de desemprego diminui: há mais pessoas a reformar-se do que novas pessoas a procurar trabalho, e o número constante de postos de trabalho implica que a proporção de pessoas sem o seu diminui.

        Por isso é que no contexto “normal” é preciso um crescimento económico positivo (considerável) para manter a taxa de desemprego constante. É que durante as décadas anteriores (quando a lei de Okun surge) a população activa esteve sempre a aumentar.

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  9. Acácio Pinheiro diz:

    jvgama
    Eu acho que você esta a discutir outra coisa. É o desligamento da taxa de desemprego da lei de Okun ( nomeadamente por via da emigração e da inactividade forçada ). Mas aqui o que discutimos é que há mais emprego sem haver mais PIB que o justifique. O quadro relaciona emprego e produto.

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    • jvgama diz:

      O quadro relaciona a variação da taxa de emprego com o crescimento do PIB, é precisamente esse o pressuposto a que me refiro na minha explicação.

      Num contexto em que a população activa estivesse a crescer 2% ao ano seria necessário um dado crescimento do PIB (dependerá do declive, mas vamos supor 2%) para que a taxa de desemprego diminuísse.

      No actual contexto, em que a população activa não está a crescer ao mesmo ritmo (creio que está a diminuir) será necessário um crescimento muito menor (vamos supor 0%) para que a taxa de desemprego diminua. Como o crescimento é de 1.5% ela diminui bastante, enquanto no cenário anterior de expansão demográfica os crescimento de 1.5% era até insuficiente para impedir o aumento do desemprego.

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