A convergência para a média é um conceito simples e poderoso. Permite explicar muitos fenómenos interessantes e que à primeira vista não partilham quase nada em comum – desde a melhoria da situação clínica de pacientes que experimentam terapias alternativas, até ao aparente sucesso das chicotadas psicológicas no futebol. O processo é sempre o mesmo: uma ilusão de óptica causada pela aleatoriedade presente em quase todos os fenómenos da existência humana.
E, contudo, a maior parte das pessoas tem imensa dificuldade em aceitar explicações desta natureza. A ideia de que ‘tudo o que sobe tem de descer’, e que portanto resultados extraordinariamente bons tendem a ser seguidos por resultados menos bons (da mesma forma que os ciclos negativos acabam por chegar ao fim), não é intelectualmente satisfatória. Não sacia aquele desejo muito humano de procurar causas identificáveis a gerar efeitos observáveis. Por essa razão, estamos condenados a viver num corrupio incessante de ‘surpresas’ e ‘desilusões’ que se seguem umas após as outras, identificando surtos de optimismo e ciclos de más notícias onde provavelmente não há nada mais do que simples ruído.
A evolução do PIB no segundo trimestre é, suspeito, um bom exemplo disso mesmo. À primeira vista, parece uma enorme travagem. O PIB cresceu 0,2% em cadeia, depois de três trimestres a crescer entre os 0,7 e 1%. Mas será que o PIB está hoje muito acima – ou muito abaixo – do que se esperava que estivesse? Não. O PIB está mais ou menos onde devia estar segundo as previsões feitas pela Comissão Europeia em meados de 2015: com um valor trimestral (a preços constantes) na casa dos 44,3 mil milhões de euros.
Para ilustrar o que quero dizer podemos comparar a evolução do PIB que era esperado pela Comissão Europeia em 2015 com a evolução efectiva do PIB medida pelo INE. O quadro de baixo indexa o PIB trimestral de 2015 a 100 e faz essa comparação.
A verdade é que não há grandes diferenças de nível entre a previsão inicial e os valores realizados. A diferença está toda no perfil do crescimento, que foi mais baixo do que o previsto durante a segunda metade de 2015 e a primeira metade de 2016, e superior ao previsto daí em diante.
A ideia de que aconteceu alguma coisa extraordinária a meio do ano passado, que arrancou a economia da letargia e a encaminhou na direcção de um crescimento histórico, é provavelmente uma ilusão de óptica. Tudo o que aconteceu foi um efeito catching up: uma quebra inicial que tornou mais fácil o crescimento subsequente, da mesma forma que uma equipa do meio da tabela que começa mal a temporada não costuma ter dificuldade em subir algumas posições de bater no fundo. A travagem no segundo semestre reflecte o ‘esgotamento’ do efeito catching-up.
Um exemplo concreto pode ajudar a converter o raciocínio estatístico numa ‘história’ mais apelativa. Imagine-se que a economia portuguesa cresce ‘naturalmente’ a uma taxa de 0,4% por trimestre. Mas a meio de 2015, e durante a primeira metade de 2016, um choque de incerteza afecta as expectativas dos agentes económicos. Primeiro é a eleição de um novo Governo, apoiado por um arranjo parlamentar desconhecido; depois são os ventos agrestes da União Europa, abalada pelo Brexit e pelos receios renovados de problemas bancários (ver caixa Impacto de medidas de incerteza na economia portuguesa). Algumas empresas põem alguns investimentos em stand-by e entram em modo wait-and-see. Mas estes investimentos não são riscados do orçamento – são apenas adiados para períodos menos turbulentos.
Isto altera o nível do PIB no longo prazo? Não. Os investimentos apenas se deslocam de um período para o outro. É um efeito temporal que baixa o PIB no primeiro período (face ao baseline), empola-o no segundo período e não faz nada daí para a frente. O seu principal efeito é o de provocar uma redução temporária do crescimento, seguida de uma aceleração, antes da derradeira convergência para os valores ‘normais’.
Ok, agora uma confissão. Eu não acredito que o efeito catching-up seja toda a explicação para o crescimento global da economia no conjunto do ano (que deverá andar pelos 2,5%).
Como escrevi aqui, o maior contributo para o crescimento do PIB vem de longe da criação de emprego, e o ritmo de absorção de desempregados tem estado a aumentar. Mantendo Portugal ainda um exército considerável de activos desempregados, não me parece que taxas de crescimento na casa dos 2-2,5% sejam impossíveis de atingir durante mais um ano ou ano e meio (a partir daí, a situação muda de figura). Mas os sobes e desces bruscos do PIB de 2015 para 2017 – que se reflecte na aceleração impressionante do crescimento homólogo – tem sem dúvida uns bons pozinhos de catching-up e convergência para a média pelo meio.
Pedro,
É expectavel haver algum ponto de saturação de crescimento do PIB, isto é, estando já proximos do PIB de 2007/8 será que podemos produzir muito mais do que isto?
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Não vejo por que não. O PIB não é estacionário. Questão diferente é se o desemprego poderá descer para lá desses valores. Eu penso que pode descer bastante, mas aqui a margem de erro é maior.
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Tivemos aumento de emprego de 3.4% e crescimento de 2.8% entre os segundos trimestres de 2016 e 2017. Daqui podemos tirar conclusões quanto à variação da produtividade? Como tem evoluído?
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Os dados não estão ajustados de sazonalidade no caso do emprego. Em todo o caso, veja aqui uma estimativa para o 1º trimestre: https://desviocolossal.wordpress.com/2017/05/18/uma-explicacao-trivial-mas-palavrosa-para-o-maior-crescimento-economico-do-milenio/
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