O país com a maior dívida externa do mundo

Bom, na verdade não tenho a certeza de que seja mesmo o campeão da dívida externa. Há por aí umas largas dezenas de países sem dados actualizados relativos à Balança de Pagamentos, e outros tantos que não os reportaram ao FMI/Banco Mundial. Mas, se não ocupar a primeira posição, então de certeza que anda lá perto. Três pistas para quem gosta de adivinhas: é pequeno, é europeu e é um dos maiores exportadores da Zona Euro.

Ah, e entre activos menos passivos tem uma posição líquida negativa de 175% do respectivo PIB.

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Já adivinharam? De certeza que não. A economia que aparece no gráfico de cima é nada mais, nada menos, do que a Irlanda.

E é um pouco estranho (para dizer o mínimo) que a Irlanda esteja a acumular dívida a esta velocidade – ou, tecnicamente falando, que esteja acumular uma posição-líquida-de-activos-sobre-o-exterior tão negativa. Afinal de contas, de 2008 para cá o défice externo da Irlanda passou de 6% do PIB para números suficientemente modestos para se diluírem no crescimento nominal da economia. Isto já para não falar nos enormes excedentes de 2015 e 2016, que culminaram com um saldo externo de 10% do PIB (mind note para os mais distraídos: estes números podem não ser de fiar).

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Só reparei nesta pequena aberração quando comecei a compilar dados para um projecto em que estou a trabalhar. Mas a pergunta devia interessar a todos os que lidam com estatísticas económicas: afinal o que se passa aqui?

A minha suspeita é que esta aberração resulta da forma muito particular como as estatísticas da Balança de Pagamentos avaliam a ‘dívida externa’, que fazem com que algumas coisas ‘boas’ pareçam ‘más’, e algumas coisas ‘más’ pareçam ‘boas’. Por exemplo, em 2014 e 2015 as yields das obrigações públicas irlandesas caíram bastante, o que aumentou o seu preço – mas, sendo as obrigações detidas por residentes no estrangeiro, isto faz com que o montante nominal de ‘dívida externa’ aumente.

Já vimos isso acontecer em Portugal. Mas, no caso irlandês, há pelo menos um problema adicional: a enorme importância do Investimento Directo Estrangeiro. A entrada de IDE – que tem sido intensa nos últimos anos – é contabilizada como uma responsabilidade da Irlanda perante as unidades não residentes, o que valoriza o lado do passivo da Posição de Investimento Internacional (PII) e assim degrada o seu saldo líquido.

E de certeza que há por aí mais uns statistical quirks que eu desconheço a explicar aquela imagem tão estranha. Mas isto, só por si, já devia chegar para termos mais algum cuidado quando avaliamos a posição financeira de um país através da PII – algo que se tornou prática comum, até na monitorização de desequilíbrios financeiros à escala europeia. De futuro, talvez seja recomendável complementarmos a análise da PII com o saldo acumulado dos défices externos. Na maioria das economias a diferença não é grande, mas no caso da Irlanda esta abordagem pode ajudar a limpar algum ruído.

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3 comments on “O país com a maior dívida externa do mundo

  1. Muito estranho! Embora eu seja contra esse tipo de divida publica, creio que a maior divida seria a dos Estados Unidos, que por sua vez tem uma administraçao mais facil por ser de juros mais baixos…

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  2. Uma coisa que há muito tenho pensando (e até tenho pensado em fazer um post sobre isso) é porque é que “endividamento externo” soa como “mau” e “investimento estrangeiro” como “bom”, quando em termos económicos são quase a mesma coisa.

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    • É verdade. Até já estive para escrever algo em torno disso.

      Em todo o caso, pode haver uma subtileza nesta história. Se uma empresa acreditar no potencial da economia portuguesa e comprar uma posição cá dentro, via IDE, isto aumenta o investimento directo mas não afecta a Posição de Investimento Internacional: por cada euro adicional de IDE como passivo há um euro adicional de depósitos [o dinheiro com que o estrangeiro comprou as acções] como activo.

      Isto é uma situação diferente em que a economia começa por ter um défice na balança de transacções correntes que é FINANCIADO através de IDE. Neste caso, o IDE degrada a Posição de Investimento Internacional: há um bem ou serviço externo a entrar em Portugal, que é ‘pago’ com a venda de uma acção ao estrangeiro.

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