Dívida pública nos 60% em 2030 – as contas da OCDE

O Economic Outlook da OCDE, publicado hoje, faz uma análise de sustentabilidade à dívida pública das economias desenvolvidas. A pergunta de partida da OCDE é: qual o ajustamento orçamental necessário fazer para que a dívida pública atinja os 60% do PIB em 2030?

A resposta aparece no quadro em baixo, retirado do mesmo Economic Outlook (página 239). A primeira coluna mostra a consolidação feita de 2010 a 2013 e a que está prevista para 2014/2015, em termos de melhoria do saldo primário. A segunda coluna mostra a consolidação adicional que é preciso fazer para atingir a meta dos 60%.

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A imagem dá a entender que é necessário obter uma melhoria contínua do saldo primário ao longo dos próximos 15 anos, de 1,9% do PIB em média. Na verdade, isto é apenas uma escolha de terminologia infeliz da OCDE. Como se lê no próprio relatório, um pouco acima da tabela:

Around one-third of OECD countries have maintained gross public debt below 60% of GDP through the crisis and its aftermath. In the remaining OECD countries, there is a range of further consolidation requirements beyond 2013. Some of that required change includes commitments made by governments to improve budget positions by 2015, which are incorporated in the short-term projections described in previous chapters. The remainder is measured here as the average projected underlying primary balance after 2015 that is required to stabilise debt at 60% of GDP. The average consolidation requirement is a robust measure of consolidation needs as it is little affected by the timing of consolidation and is conceptually similar to, and empirically closely correlated with, measures of the so-called “fiscal gap”, which measures the immediate increase in the underlying primary balance, which if sustained, will ensure a particular debt target is reached in a particular year.

Trocando por miúdos: a ‘melhoria média de 1,9% do PIB’ não significa que o saldo primário tenha de melhorar 1,9% em média a cada ano no período 2016-2030. Significa que o saldo primário médio ao longo desse período terá de ser 1,9% mais alto do que o valor de fecho de 2015.

Isto pode ser atingido de várias formas: através de uma consolidação orçamental súbita desse valor em 2016; ou através de uma consolidação faseada de 0,5% do PIB ao longo de quatro anos; ou através de uma melhoria muito suave do saldo ao longo de todo o período até 2030 – digamos, 0,25% do PIB todos os anos. Todos estes regimes de consolidação cumprem a restrição da OCDE e permitem, por isso, atingir uma dívida pública de 60% do PIB em 2030. A imagem de baixo representa graficamente estas três combinações:

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Mas o custo económico e social da consolidação orçamental não pode ser inferido deste gráfico, porque uma boa parte do défice público reduz-se naturalmente em resultado do crescimento económico. Para calcular esse custo, é necessário traduzir a melhoria do saldo primário em medidas de consolidação orçamental.

A imagem de baixo apresenta uma estimativa desse custo. As contas de 2016 em diante são fáceis de fazer: i) assume-se que o PIB cresce conforme as previsões da Troika, convergindo para 1,8% no longo prazo; ii) assume-se que cada ponto de crescimento económico se traduz numa melhoria orçamental de 0,3%, em linha com as análises de risco que acompanham os documentos orçamentais do Ministério das Finanças.

Partindo daqui, calculam-se dois indicadores: as barras vermelhas, que mostram a melhoria do saldo primário que decorre do crescimento económico (e assumindo que não há alteração das restantes variáveis orçamentais) e as barras azuis, que mostram o ajustamento orçamental que fica por fazer caso se pretenda atingir uma dívida pública de 60% do PIB em 2030, distribuindo o ajustamento pelo período 2016-2020.

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O gráfico começa por mostrar como é que a consolidação foi feita entre 2010 e 2013: quase metade das medidas de austeridade foram ‘comidas’ pelo impacto negativo da recessão económica e de outros efeitos inerciais (por exemplo, aumento da despesa com actualização de pensões, ou revisão em alta de encargos com PPP’s). Em 2014, este segundo efeito torna-se marginalmente negativo; e em 2015 é já positivo e contribui na mesma medida que as medidas de consolidação.

E no período de ajustamento adicional (2016-2020)? De forma surpreendente, não são necessárias mais medidas de consolidação. O simples crescimento económico (em torno dos 1,8%) chega para melhorar o défice orçamental nos 0,5 pontos percentuais necessários. E a partir de 2020 há margem orçamental para começar a reverter os cortes (a barra a azul entra em terreno negativo).

É óbvio que o cenário não é tão idílico quanto é sugerido pelo gráfico. Sobretudo porque o efeito ‘Impacto PIB + inércia’ não será tão positivo quanto aparece na imagem: para além da redução do défice derivada do crescimento económico, haverá que contabilizar desvios que entretanto surjam, e que entram na categoria ‘inércia’ – crescimento inercial de pensões, por exemplo, ou aumento dos custos com o SNS. (Para já, é possível identificar um desvio desta natureza: a devolução do corte salarial da função pública a partir de 2015).

Na prática, será preciso tapar buracos de um lado, e arranjar remendos para o outro. Mas o objectivo não é defender que é possível atingir a meta do Tratado Orçamental sem mais custos; é apenas mostrar que esses custos são muito menores do que os “1,9% de PIB ao ano, todos os anos durante 15 anos” que o documento da OCDE poderia levar a pensar.

Ler também: O Tratado Orçamental e o pós-Troika Saldos primários em tempos de crescimento

 

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