Os juros descem há 30 anos (e ninguém deu por ela)

A descida das taxas de juro é um dos factos económicos mais extraordinários da história recente dos países desenvolvidos. E é extraordinária por duas razões – ou três, se lerem até ao fim.

Primeiro, por causa da sua persistência. Ali em cima associei a descida dos juros à “história recente” , mas a verdade é que não há nada de recente neste movimento. As taxas de juro estão a descer sem parar praticamente desde os anos 80, de forma mais ou menos transversal1.

Segundo, porque este movimento apenas em parte reflecte a descida da inflação dos anos 80 para cá. Em teoria – e, felizmente, também na prática – as taxas de juro são tanto maiores quanto mais alta for a inflação prevalecente, de forma a compensar os aforradores pela perda de valor do empréstimo (o chamado efeito Fisher). E, como a inflação tem descido de há umas décadas para cá, é pelo menos plausível que uma coisa explique a outra.

Mas não. As taxas de juro reais – isto é, as taxas de juro nominais menos a taxa de inflação – também estão a descer. Da mesma forma persistente, ritmada e transversal que as taxas nominais. A inflação é sem dúvida um dos culpados; mas, neste crime, continua algum cúmplice lá fora à solta.

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Ok, agora a parte engraçada – e aqui chegamos ao terceiro ponto. Apesar de isto não ser novo, parece que ninguém deu por ela ao longo dos últimos 30 anos. Ou, se deu, não percebeu muito bem que era mais estrutural do que transitório.

E isto nota-se forma muito clara no gráfico seguinte, retirado de uma apresentação de Jason Furman. O que se vê na linha azul é a incessante descida dos juros desde 1995; e o que se vê nas outras linhas é a crença (errada) do mercado de que as taxas acabarão, a prazo, por convergir para os valores passados.

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Estas taxas são nominais – mas, para o período de tempo considerado, em que não houve variações de inflação, isso provavelmente interessa pouco. O que vamos aqui é o mercado a prever uma taxa de juro real constante. E a acertar sistematicamente ao lado (ou, neste caso, por cima).

Porquê? De onde vem esta bizarria? A minha suspeita é que Larry Summers pode ter razão. (E, se tiverem tempo para perceber porquê, não deixem de ler o melhor estudo que eu conheço sobre o assunto – e, já agora, de dar uma vista de olhos nos comentários de Ben Bernanke). Mas gostava de ouvir mais gente a falar disto.

1 Para o período anterior aos anos 80 não deve ser fácil usar o mercados financeiros para retirar grandes, dada a repressão financeira que vigorava na altura.

5 comments on “Os juros descem há 30 anos (e ninguém deu por ela)

  1. Hipótese: durante muito tempo as taxas de juro incorporaram um “prémio de risco de revolução comunista”, e começaram a descer quando esse risco desapareceu (pós-1989)?

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  2. Possíveis explicações:

    http://krugman.blogs.nytimes.com/2013/06/21/rents-and-returns-a-sketch-of-a-model-very-wonkish/

    Resumo: o aumento do poder de monopólio das empresas leva a que os lucros não sejam passados para os capitalistas “passivos”

    http://viasfacto.blogspot.pt/2015/02/revisitando-quebra-tendencial-da-taxa.html

    Resumo: crescimento do stock de capital mais rápido que o da produção (bem, isto não é bem uma explicação, já que faltaria explicar porque isso estaria a acontecer)

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    • Em relação ao prémio de risco comunista, duvido que houvesse receios genuínos disso acontecer nos EUA.

      A teoria do Krugman eu já conhecia, e acho que há alguma evidência a favor dela. Quanto ao post no VdF, as coisas não se encaixaram muito bem na minha cabeça, mas pode ter sido da leitura apressada. Há evidência empírica e independente do aumento da relação capital/PIB? E nesse caso a produtividade não deveria estar a acelerar, em vez de diminuir? Estou só a pensar alto.

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      • “Há evidência empírica e independente do aumento da relação capital/PIB?”

        Que eu saiba não – foi apenas a maneira que eu arranjei de resolver a aparente tensão entre o aumento da parte do capital no rendimento total e a redução das taxas de juro.

        “E nesse caso a produtividade não deveria estar a acelerar, em vez de diminuir?”

        Não confundir a primeira com a segunda derivada. Se o stock do capital crescer mais que o produto (ou, se, por outras palavras, a produtividade aparente do capital estiver a diminuir), a produtividade aparente do trabalho deve aumentar, mas penso que não há nenhuma razão para esse crescimento acelarar.

        Se estivéssemos numa economia sem progresso técnico, com o capital a crescer e o trabalho constante, acho que os resultados seriam exatamente a taxa de juro a tender para zero (devido à redução da produtividade marginal do capital), a produtividade do trabalho a subir, e o crescimento dessa produtividade também a tender para zero (porque cada vez mais uma unidade adicional de capital teria menos efeito sobre a produtividade do trabalho) – não estou certo que este modelo pudesse ser transposto para uma economia com progresso técnico.

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  3. Bem visto. Obrigado.

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