Fundo de Recapitalização – despesa pública?

O Fundo de Recapitalização (FR) vai injectar 4,9 mil milhões de euros no Banco Novo. O FR é um organismo público. Logo, os fundos injectados no Banco Novo são dinheiros públicos e a sua simples mobilização representa um encargo para o contribuinte. Correcto?

Não, e não é difícil perceber porquê. Mas, porque a contabilidade pode ser enganosa, convém explicar com algum cuidado.

Imagine o leitor que a União Europeia se disponibiliza para financiar um projecto de infraestruturas em Portugal.  A UE garante a totalidade do financiamento – digamos, por exemplo, 1000 milhões de euros; e compromete-se também a abrir os cordões à bolsa caso haja derrapagens.

A UE não vai, obviamente, contratualizar o serviço com os empreiteiros nacionais e disponibilizar o dinheiro directamente. A verba será primeiro encaminhada para o organismo público responsável por gerir os fundos comunitários, que depois a entregará à entidade que ganhar o concurso para a construção da infraestrutura (passando, eventualmente, por várias estruturas intermédias ao longo do processo).

Contabilisticamente falando, a infraestrutura foi financiada por despesa pública – no sentido restrito em que a operação aumentou os gastos no montante de 1000 milhões de euros. Mas o custo efectivo para o contribuinte foi zero: essa despesa foi financiada por uma receita com o mesmo valor, e não construir a infraestrutura não significaria ter mais fundos disponíveis para outra coisa qualquer – nesse cenário, a infraestrutura pura e simplesmente não seria construída e a receita que a financia não teria saído dos cofres europeus. Neste caso, fazer ou não fazer não implica nenhum trade-off.

Esta neutralidade dos fundos está ausente da generalidade das despesas. Gastar mais dinheiro em educação significa gastar menos dinheiro em Defesa hoje, ou gastar menos dinheiro em Educação e/ou Defesa amanhã (caso seja X  seja financiado com recurso à emissão de dívida). Mas verifica-se no caso do FR: se o dinheiro não for utilizado para recapitalizar um banco, ele pura e simplesmente não é utilizado, ficando parqueado no Fundo. A sua mobilização não impede outra despesa, não implica mais impostos nem obriga à emissão de dívida. Em suma, não tem custo de oportunidade*.

Qual é a característica do FR que permite insulá-lo do resto do sector público? A resposta é simples: o FR é um fundo com receitas e despesas consignadas. A banca tem a obrigação de acumular periodicamente uma determinada quantidade de activos para fazer face a uma despesa eventual (falência bancária), e o FR actua meramente como veículo de recepção e mobilização dessas reservas. O que lá entra não pode vir do bolso dos contribuintes – a não ser, obviamente, do bolso dos bancos-contribuintes) – e o que sai de lá não pode ir para outra coisa que não seja a recapitalização de um banco.

A situação não é muito diferente de um regime de reformas de capitalização gerido pelo Estado. Todos os anos, os trabalhadores descontam uma verba para alimentar a sua conta, que só pode ser utilizada para pagar as suas próprias pensões no futuro. Sendo o Estado a entidade gestora, as contribuições são contabilizadas como receita e os pagamentos como despesa – mas seria errado assumir deste registo contabilístico que o serviço de gestão de contas disponibilizado pelo Estado representa algum encargo sobre o contribuinte: o Estado, neste caso, só funciona como uma ‘porta giratória’ de dinheiro.

O risco para o contribuinte, obviamente, é que haja problemas no sistema de capitalização e que a determinada altura surjam pressões, por parte dos beneficiários, no sentido de colocar o Estado a ‘complementar’ os pagamentos, ou a subsidiar as contribuições. Mas o risco resulta dessa mudança de regras, e  não da aplicação das regras em vigor.

E isso é precisamente o que acontece com o FR: o risco para os contribuintes não advém do registo – convencional e arbitrário – das contribuições como receita pública e das recapitalizações como despesa pública. Advém da possibilidade de as regras do FR mudarem e daquilo que parecia responsabilidade da banca se revelar, posteriormente, um problema para os contribuintes (ao qual se soma, obviamente, o risco de o sistema financeiro falir e não conseguir ressarcir o FR).

Este blogue vai parar algumas semanas. Boas férias, e até Setembro.

*Bom, o há o custo de oportunidade de não ser poder fazer recapitalizações no futuro. Mas isso é um pouco como não fazer cirurgias hoje para se ter dinheiro para fazer cirurgias amanhã. Update: Por outro lado, este custo de oportunidade é de facto um custo para o contribuinte, e talvez valha a pena seguir a troca de comentários em baixo com o jornalista Filipe Alves

18 comments on “Fundo de Recapitalização – despesa pública?

  1. Filipe Alves diz:

    Creio que o seu argumento não tem em conta os seguintes aspectos: 1, as contribuições dos bancos para o fundo são contabilizadas como receita fiscal, contribuindo inclusive, no último ano, para a redução do défice público. Em que ficamos: são receitas fiscais – dinheiro dos contribuintes- só quando nos convém? O facto de estar consignado a uma despesa específica não altera o facto de ser um imposto fixado pelo Estado, para resolver um problema que diz respeito ao interesse público, assegurar a estabilidade do sistema financeiro. 2, sendo um veículo público, inserido no perímetro orçamental da AP, qualquer dívida que o fundo contraia junto da banca (como o empréstimo de 635 milhões que está a ser ultimado), conta para a dívida pública. 3, segundo as regras europeias, a injecção de 4,9 mil milhões no Novo Banco só não agrava o défice público se o activo em questão fechar o ano com lucro ou com perspectivas de rendibilidade. O que dificilmente sera o caso. Um abraco

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  2. Óptimo enquadramento e explicação fundamentada!

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  3. Olá, Filipe

    O meu argumento não ignora o registo das contribuições como receita fiscal, a classificação institucional do Fundo de Resolução ou a contabilização da dívida do FR como dívida pública. Aliás, não só não ignora como lhes faz referência mais ou menos explícita (“O FR é um organismo público”).

    O que o argumento sustenta é que a questão contabilística, por si, é irrelevante para determinar se operação representa ou não um “encargo para o contribuinte”. A operação só representará um encargo se implicar algum custo de oportunidade, sob a forma de ‘despesa que deixa de ser feita noutro lado’, ‘mais impostos’ ou ‘mais impostos futuros’ (dívida pública).

    Não se verificando nenhuma destas condições, não há ónus sobre o contribuinte – tal como uma infraestrutura financiada por dinheiros europeus também não representa um ónus sobre o contribuinte, muito embora seja, contabilisticamente falando, despesa pública financiada por receitas públicas.

    Abraço

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    • Olá, creio que não estás a ter em conta um aspecto. As contribuições da banca para o fundo, fixadas e cobradas pelo Estado, destinam se a assegurar um interesse público, isto é, a manutenção da estabilidade do sistema financeiro. Nesse sentido, é dinheiro que os contribuintes dispõem para acudir a emergências que ponham em risco a segurança do sistema. Logo, embora não resulte do IVA ou do IRS pagos pelos portugueses, o dinheiro do Fundo pertence ao contribuinte. Alem disso, em todo o caso, o Estado assume todo o risco, quer a nível orçamental (na dívida pública e no défice), mas também nas situações em que os bancos não conseguem cobrir as necessidades do fundo, como sucedeu neste caso do Novo Banco. O Estado endividou se para poder injectar 3,9 mil milhões no fundo de resolução. O Fundo de Resolução gere dinheiro dos contribuintes.

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  4. Filipe,

    «creio que não estás a ter em conta um aspecto. As contribuições da banca para o fundo, fixadas e cobradas pelo Estado, destinam se a assegurar um interesse público, isto é, a manutenção da estabilidade do sistema financeiro […]»

    Não só não estou a ter esse ponto em conta como é exactamente isso que está no cerne do argumento. É precisamente porque as receitas do FR estão consignadas à estabilidade do sistema financeiro que a utilização desses recursos na recapitalização do BES não tem qualquer custo de oportunidade para o contribuinte. Se não fosse usado no BES, ficava estacionado no FR.

    Quando refiro a simetria com a questão dos fundos comunitários não é por acaso. É porque a situação mimetiza perfeitamente o que acontece neste caso. Se um fundo comunitário estiver consignado a um projecto específico, investir esses fundos não impõe nenhum ónus ao contribuinte. Se o dinheiro não fosse gasto no projecto, então pura e simplesmente ele não seria utilizado.

    Finalmente, repara que eu não digo que a operação não vai ter custos para o Estado. Pode ter custos, e esses custos materializar-se-ão se o regime for alterado a meio do percurso, ou se os bancos não conseguirem pagar a tempo e horas o empréstimo que foi concedido*. O que eu digo é que esses custos potenciais não têm nada a ver com o registo contabilístico da despesa e da receita ou com a classificação institucional do Fundo Resolução. Isso é pura convenção estatística. Não é por uma concessão de barragens ser registada como despesa negativa (e é mesmo isso que acontece…) que a vamos considerar como um gasto do Estado.

    *mas desconfio que se os bancos não conseguirem pagar a tempo e horas teremos mais com que nos preocupar do que com os 4,4 mil milhões injectados no Novo Banco.

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    • Isso não invalida que o dinheiro do Fundo pertença ao contribuinte, servindo para resolver um problema colectivo. E que o Estado assuma todo o risco do fundo. Concordaria contigo, dizendo que não existiria qualquer custo para o contribuinte, se o fundo pertencesse efectivamente aos bancos, como o spin do governo fez passar. Abraco

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  5. Mas o Fundo pertence mesmo aos bancos, Filipe. Assim como o dinheiro de um projecto europeu pertence aos contribuintes europeus. Que a mobilização desse dinheiro passe necessariamente por uma estrutura intermédia que é considerada como fazendo parte do Estado é um pormenor contabilístico que não altera a natureza da operação (também podes fazer o raciocínio inverso: se por acaso o Fundo ficasse altamente capitalizado de um momento para outro isso significava que os contribuintes tinham sido beneficiados?).

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  6. Filipe Alves diz:

    Compreendo onde queres chegar, mas nao concordo. O dinheiro do fundo pertence aos contribuintes, sendo cobrado para atender a um fim de interesse do Estado, nao para ajudar ou proteger os bancos. Caso contrario, seria uma entidade privada, gerida e controlada pelos bancos. A comparacao mais adequada sera com a seguranca social. O dinheiro da seguranca social pertence a quem? A quem faz descontos, ou aos contribuintes em geral, que com esse dinheiro respondem a um interesse publico? Na verdade, nao se trata de um pormenor contabilistico irrelevante, tanto no caso do fundo de resolucao, como no da seguranca social, o facto de o Estado consolidar estas entidades nas contas publicas. E isso acontece porque essas verbas existem para atender a um interesse publico, sendo geridas pelo Estado em proveito de todos os contribuintes. Ps: quanto a questao que colocas, claro que a capitalizacao do fundo beneficiaria os contribuintes, de duas formas: primeiro porque esse montante contribuiria positivamente para o calculo da divida publica liquida; segunda, porque significaria que os contribuintes tinham a disposicao um seguro para acudir a emergencias. Seria o oposto a um custo de oportunidade. Abraco

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  7. “A comparacao mais adequada sera com a seguranca social. O dinheiro da seguranca social pertence a quem?”

    É um óptimo exemplo. No caso de um sistema de capitalização, o dinheiro é sem dúvida da entidade que desconta, e não da entidade que gere o sistema.

    “Quanto a questao que colocas, claro que a capitalizacao do fundo beneficiaria os contribuintes, de duas formas: primeiro porque esse montante contribuiria positivamente para o calculo da divida publica liquida”.

    Pelo contrário. A dívida pública líquida fica rigorosamente igual, seja qual for o cenário: caso o dinheiro fique no FR, ele é um depósito que abate à dívida bruta; caso o dinheiro seja injectado no BES, ele é um activo financeiro que desconta igualmente à dívida bruta.

    Mas acho que não é preciso aventurarmo-nos na ontologia da propriedade. Se a tua questão é classificação do FR, então podes ver as coisas desta forma: a injecção de capital no BES é uma despesa efectiva do Estado com impacto no défice em 2014… que implica uma receita efectiva do Estado nos períodos subsequentes. Contabilisticamente, é neutra do ponto de vista plurianual.

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    • Filipe Alves diz:

      Mais uma vez, parece-me que não estás a ter em conta o que diz a legislação que criou o Fundo de Resolução, nem a Lei Quadro dos institutos públicos.

      Em primeiro lugar, a Segurança Social (em Portugal) não funciona como um sistema de capitalização (que existia com as caixas de previdência, antes de 1974), mas sim redistributivo. Assim sendo, as verbas confiadas à Segurança Social pertencem aos contribuintes em geral (ao Estado, portanto) e não a quem efectivamente as fez. As contribuições para a Segurança Social tornaram-se meros impostos que o Estado cobra para atender a uma necessidade de interesse geral (alguns juristas questionam a constitucionalidade deste facto, já que na prática se trata de um segundo imposto sobre o rendimento).

      Com o Fundo de Resolução acontece exactamente o mesmo. O Estado precisa de ter um seguro para atender a emergências no sector financeiro. E cobra um imposto para responder a esse fim de interesse colectivo. Não é um fundo para “ajudar” os bancos, mas um fundo público para munir o Estado dos recursos necessários para resolver um problema que diz respeito a todos os cidadãos.

      Para financiar esse fundo, o Estado criou um imposto especial sobre a banca (que acresce ao IRC de cada exercício) e previu a possibilidade de cobrar um valor adicional, na forma de contribuições extraordinárias, se necessário.

      O fundo pode também ser financiado por via de empréstimos do Estado (ou seja, empréstimos do Tesouro a uma entidade que está no perímetro da Administração Pública, tal como sucede no caso das empresas públicas que recebem suprimentos do accionista Estado). E a terceira forma de financiamento é constituída por empréstimos concedidos ao Fundo pelos próprios bancos. Estes empréstimos são considerados financiamentos ao Estado (porque o Fundo é público) e contam para a dívida pública. Logo, todos os recursos confiados ao Fundo são dinheiros públicos.

      Dizes que o dinheiro pertence aos bancos. Porém, de acordo com a legislação aplicável:

      1- Os bancos não têm qualquer papel na gestão do fundo, que é dirigido por técnicos nomeados pelo Governo e pelo Banco de Portugal. E que reportam, hierarquicamente, ao Ministério das Finanças.

      2- Os bancos não decidem quando pode ser usado dinheiro do fundo, nem de que forma isso pode ser feito. Também não decidem o valor das contribuições para o Fundo.

      3- Tal como sucede na Segurança Social, o dinheiro do fundo é arrecadado e gerido pelo Estado. É o próprio Estado (por intermédio do Banco de Portugal e das Finanças) que tem a palavra no que toca à utilização dos recursos do Fundo. No limite, em teoria, até pode alterar a lei e alocar os recursos do fundo a outro fim qualquer (claro que isto na prática seria dificil, porque chocaria com os compromissos assumidos com Bruxelas).

      4- Em termos de contabilidade nacional, o Fundo é reconhecido como fazendo parte do Estado. As contribuições dos bancos para o Fundo são consideradas impostos e os empréstimos dos bancos ao Fundo contam para a dívida pública. Quando os bancos emprestam 700 milhões de euros ao Fundo de Resolução, estão a concedê-lo ao Estado, que garante o pagamento desse crédito.

      5- O Estado assume o controlo e o risco do Fundo de Resolução, independentemente de Bruxelas ou as agências de rating fecharem ou não os olhos ao impacto “estatístico” no défice e na dívida. Se algo correr mal (por exemplo, o Novo Banco ser vendido por um valor muito inferior aos 4,9 mil milhões injectados pelo fundo, com uma diferença de dois ou três mil milhões de euros, que os restantes bancos não consigam cobrir), será o Estado a ter de encontrar uma solução.

      Concluindo: se o Fundo é controlado pelo Estado; se é gerido por técnicos do Estado, que reportam ao Governo; se os seus resultados contam para o défice das contas públicas; se os empréstimos contraídos pelo Fundo contam para a dívida pública e são, para todos os efeitos, financiamentos ao Estado… como é que se pode dizer que o fundo pertence à banca e não ao Estado?

      Escreveste:

      “A dívida pública líquida fica rigorosamente igual, seja qual for o cenário: caso o dinheiro fique no FR, ele é um depósito que abate à dívida bruta; caso o dinheiro seja injectado no BES, ele é um activo financeiro que desconta igualmente à dívida bruta.”

      Creio que percebeste mal o que quis dizer. O que eu disse é que a capitalização do fundo de resolução (pelos impostos pagos pelos bancos) tem impacto positivo na dívida pública líquida (como depósitos que abatem à dívida bruto). Tem, além disso, impacto positivo no défice público, já que as contribuições são impostos. Não é, por isso, verdade que os contribuintes não beneficiem com as contribuições pagas pelos bancos, mesmo estando estas consignadas ao Fundo de Resolução. Da mesma forma que todos ganhamos quando a Segurança Social arrecada mais contribuições. Para começar porque ficamos com uma almofada para atender a determinados fins de interesse geral, podendo concentrar recursos para outros fins mais pertinentes.

      E ainda que:

      “Não é preciso aventurarmo-nos na ontologia da propriedade. Se a tua questão é classificação do FR, então podes ver as coisas desta forma: a injecção de capital no BES é uma despesa efectiva do Estado com impacto no défice em 2014… que implica uma receita efectiva do Estado nos períodos subsequentes. Contabilisticamente, é neutra do ponto de vista plurianual.”

      Mais uma vez, creio que estás equivocado. Não é uma operação neutra do ponto de vista plurianual, porque não sabemos se o Fundo será ressarcido na totalidade do investimento, no prazo previsto de dois anos. O que conta para o défice é o total de 4,9 mil milhões que o Fundo injectou no Novo Banco. Suponhamos que o Novo Banco é vendido por 3 mil milhões (estimativa bastante razoável, infelizmente). Ficam a faltar 1,9 mil milhões. Achas que os bancos portugueses têm capacidade, na actual conjuntura, para pagarem uma contribuição forçada de 1,9 mil milhões de euros? O que acontece se não conseguirem?

      Desculpa a extensão 🙂

      abraço e obrigado pela discussão

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  8. Filipe Alves diz:

    P.S.: Esqueci-me de um pormenor. Ao contrário do exemplo que dás acima (dos fundos europeus), neste caso, o valor que conta para o défice público (4,9 milhões de euros) é superior ao montante arrecadado em impostos cobrados aos bancos (4,2 mil milhões, partindo do princípio que os bancos se responsabilizam, no limite, pelo reembolso de 3,9 mil milhões do Fundo ao Tesouro). Há uma parcela de 700 milhões de euros que corresponde a dívida contraída pelo Fundo junto da banca. Ou seja, o Estado, por via do Fundo, contraiu um empréstimo de 700 milhões de euros, que estão incluídos nos 4,9 mil milhões no Novo Banco. Isto implica um custo para o contribuinte, na medida em que esse empréstimo paga juros.

    Concluíndo, o Estado arranjou forma de capitalizar o Novo Banco sem utilizar o dinheiro do IVA, IRC e IRS pagos pelos contribuintes portugueses. Mas isso não significa, a meu ver, que não esteja a utilizar dinheiro dos contribuintes. Abraço

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  9. Filipe, deixa-me contornar a maior parte do comentário e responder ao essencial, porque acho que o resto pode ser reconduzido a essa questão.

    “Não é uma operação neutra do ponto de vista plurianual, porque não sabemos se o Fundo será ressarcido na totalidade do investimento, no prazo previsto de dois anos. O que conta para o défice é o total de 4,9 mil milhões que o Fundo injectou no Novo Banco. Suponhamos que o Novo Banco é vendido por 3 mil milhões (estimativa bastante razoável, infelizmente). Ficam a faltar 1,9 mil milhões. Achas que os bancos portugueses têm capacidade, na actual conjuntura, para pagarem uma contribuição forçada de 1,9 mil milhões de euros? O que acontece se não conseguirem?”

    Se não conseguirem pagar a pronto, têm de contrair um empréstimo para amortizar essa dívida, precisamente para garantir que a operação é neutra do ponto de vista orçamental.

    Claro que se falirem e nunca conseguirem pagar, a despesa de 2014 já não será compensada por receita de 2015 e 2016 e por aí fora. Mas o ‘custo’ para o contribuinte reside nesse risco, e não nos 4,9 mil milhões de euros.

    (Outra analogia: se eu comprar 100€ de uma obrigação de juro zero, não estou a ter uma despesa – estou a fazer um investimento, na medida em que se espera que o dinheiro seja devolvido quando a obrigação chegar à maturidade. Estou a ‘gastar dinheiro’ apenas na medida em que há o risco de o investimento não ser ressarcido, mas não faz sentido que “estou a gastar 100€).

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    • Filipe Alves diz:

      Entao partes do principio que os bancos vao emitir divida para pagarem a contribuicao extraordinaria ao fundo, de modo a que este recupere os 4,9 mil milhoes. Admitamos que isso possa acontecer. Isso nao invalida o qie disse acima e as diferencas que existem em relacao a seguranca social e aos fundos europeus. Abraco

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      • Filipe,

        Eu não parto do princípio de que os bancos vão emitir dívida para financiar a contribuição extraordinária. Constato apenas que existe essa possibilidade, pelo que se o Novo Banco for vendido por um valor inferior ao da recapitalização, isso não implica nenhuma perda orçamental.

        Dito isto, pensei melhor no assunto e acho o que escrevi não está inteiramente correcto, pelo que vale a pena fazer uma clarificação:

        i) O dinheiro que ‘sair’ para financiar a recapitalização do Novo Banco acabará posteriormente por ‘entrar’, seja porque o NB é vendido pelo preço desejado, seja porque a banca contrairá um empréstimo para pagar a diferença entre o custo da recapitalização e o preço de venda. Por aqui, a operação é neutra.

        ii) Se a ‘diferença de preço’ (e o empréstimo correspondente) tiver como contrapartida um aumento das contribuições da banca para o FR, então a operação continua a ser neutra. Se, por outro lado, essa diferença de preço apenas tiver de ser progressivamente acomodada pelas contribuições já previstas, então a operação implica de facto um custo: o custo de o FR estar, no futuro, menos capitalizado do que estaria caso não houvesse capitalização do NB.

        Neste último caso, há de facto um custo para os contribuintes – não sob a forma de cortes de despesa ou subidas de impostos, mas por via da descapitalização do FR. E eu devia ter percebido isto logo ao princípio, porque já escrevi sobre uma questão semelhante ( https://desviocolossal.wordpress.com/2013/07/26/uma-pequena-confusao-acerca-do-fundo-da-seguranca-social/ ).

        Abraço

        P.S.- Vou inserir um update no post, a reencaminhar para esta troca de comentários.

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      • Parece-me que estás a fazer confusão com um aspecto (a menos que esteja a perceber mal o que escreveste).

        Como sabd, para que pudesse injectar capital no Novo Banco, o Fundo teve de pedir emprestados 3,9 mil milhões junto do Tesouro e de obter um financiamento de 700 milhões junto de um consórcio bancário (o qual conta para a dívida pública). O restante foi obtido através da contribuição especial que o sector financeiro paga ao Tesouro. E que, por sua vez, o Tesouro transfere para o Fundo.

        Desta forma, o valor que conta para o défice são os 4,9 mil milhões de euros aplicados no Novo Banco. Em termos estatísticos e orçamentais, estes 4,9 mil milhões de euros são dinheiros do Estado. Creio que até aqui estaremos de acordo.

        Por isso, quando falas de um eventual empréstimo dos bancos para cobrir a diferença entre os 4,9 mil milhões e o preço de venda do Novo Banco, referes-te a emissões de dívida realizadas individualmente por cada banco e não a um empréstimo contraído pelo Fundo de Resolução, correcto?

        É que se fosse um empréstimo contraído pelo Fundo de Resolução, não teria efeitos positivos no défice público. O Fundo tem de receber de volta o investimento de 4,9 mil milhões e não de emitir dívida para substituir esse encaixe (mesmo sendo o financiamento bancário uma das formas previstas de financiamento do Fundo). Seria o mesmo que o Tesouro emitir dívida e contabilizá-la como receita fiscal. Daí as minhas dúvidas quanto ao impacto, a longo prazo, nas contas públicas.

        Tudo isto leva-me a concluir que será uma confusão dos diabos se os bancos forem confrontados com uma factura de largas centenas de milhões de euros.

        abraço

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      • P.S.: Aqui está o que eu dizia acima sobre o custo para os contribuintes que decorre dos juros que o Fundo pagará aos bancos que lhe emprestaram cerca de 600 milhões de euros (e de outros financiamentos posteriores que venham a ter lugar):

        “No que respeita ao empréstimo de 0,6 mil milhões de euros do sistema bancário ao Fundo
        de Resolução, os juros a pagar por este empréstimo têm impacto no saldo orçamental na
        medida em que representam uma despesa de uma entidade dentro do perímetro das AP” – segundo Orçamento Rectificativo 2014 (página 26)

        http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634842734d6a51304c56684a535638784c6e426b5a673d3d&fich=ppl244-XII_1.pdf&Inline=true

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  10. Filipe, obviamente que estou a falar de um empréstimo contraído pelos próprios bancos para pagar ao Estado (a entidade ‘Estado’ no sentido lato, seja através do Fundo de Resolução ou não).

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