O que é que sabemos ao certo acerca da Taxa Natural de Desemprego? Quando Olivier Blanchard escreveu um paper com este título, em 1996, a resposta parecia ser: não muito. Dissertando sobre um tema antigo – com a vantagem de o fazer embalado por duas décadas de investigação – Blanchard notou que os progressos ao nível do raciocínio teórico não tinham sido acompanhados por desenvolvimentos semelhantes no campo empíricos:
While substancial conceptual progress has been made in thinking about the natural rate of unemployment, empirical knowledge lags behind. Economists are a long way from having a good quantitative understanding of the natural rate, either across times or across countries.
Claro que estas limitações não impediram ninguém de fazer estimativas para a taxa natural de desemprego («NAIRU», usando a abreviatura inglesa). Tanto a Comissão Europeia como o FMI produzem NAIRU’s para períodos passados e projecções para o futuro, de modo a ajudar a interpretar a história económica recente e ajudar a guiar a política económica daqui para a frente.
Mas, como os problemas de que Blanchard falava não desapareceram do dia para a noite, as estimativas produzem resultados estranhíssimos, que parecem pouco conciliáveis com a ideia de uma NAIRU que se espera ser razoavelmente estável no médio prazo. Como é o caso da Finlândia, relatado aqui e reportado em baixo (desemprego a verde e NAIRU a azul):
É suposto a NAIRU oscilar lentamente, conforme as instituições económicas, regras económicas e processos de fixação de salários se alteram ao longo do tempo. Mas ela parece oscilar violentamente no caso da Finlândia, subindo de 5 para 11% em menos de dez anos, e descendo para 6% nos oito anos seguintes. E tudo isto que haja microevidência de quaisquer alterações estruturais que reforcem a plausibilidade da estimativa. A impressão com que ficamos é que a NAIRU calculada pela Comissão é simplesmente uma média móvel da taxa de desemprego efectiva. E, sendo assim, não é, em si, muito informativa.
Lembrei-me do caso finlandês quando saíram os dados do emprego nacional da semana passada, que mostram a taxa de desemprego portuguesa a atingir os 8,8%. Esta taxa é muito mais baixa do que qualquer organismo internacional consideraria um valor ‘normal’. Mas aí está o desemprego abaixo dos 9% – e pressões inflacionistas nem vê-las.
Vamos a números. Como a Comissão Europeia vai ‘reajustando’ as suas estimativas da NAIRU aos dados recentes, os erros de previsão acabam por parecer, em retrospectiva, pequenos. Mas se olharmos para as estimativas feitas há uns anos (e ‘há uns anos’ não quer dizer ‘muitos anos’) vemos bem como a prudência recomendada por Blanchard em 1996 se devia continuar a aplicar nos dias de hoje. A NAIRU da Comissão Europeia para 2017, calculada em 2014, sugeria que abaixo de 13% não era possível descer. Esse valor foi revisto para 12% em 2015, e para 11% em 2016. Uma aposta segura: nas próximas actualizações vai haver nova revisão em baixa (imagem retirada do Radar Económico).
Já agora, olhemos para a Irlanda. Tal como Portugal, a Irlanda teve uma experiência traumática de intensa subida do desemprego, que foi rapidamente revertida de 2013 em diante. Quão estáveis são as NAIRU da Irlanda? Muito pouco. Na verdade, as NAIRU parecem ir completamente a reboque da taxa de desemprego efectiva.
O que está a acontecer aqui? É duvidoso que a NAIRU suba e desça tanto num período de tempo tão curto. O mais provável é que a NAIRU não se tenha mexido nos últimos 10 anos. O que aconteceu foi uma enorme recessão, que empurrou a taxa de desemprego efectiva para valores elevados, valores esses que agora voltaram a descer e a convergir para as taxas ‘naturais’ de sempre.
Pedir à Comissão Europeia que nos diga qual é a NAIRU correcta é, por isso, um pouco como pedir a um comentador desportivo que nos diga se um treinador é mesmo bom ou é uma fraude. Ele não fará nenhuma análise de qualidade intrínseca ou estrutural: limitar-se-á a olhar para a performance recente e inferir daí as capacidades intrínsecas. Dá para ocupar os telejornais, mas não é para levar a sério.
A minha principal questão é a seguinte: Continua a fazer sentido falar de NAIRU quando existem países com desemprego baixíssimo e estável (EUA, Japão,…) sem que existam as pressões inflacionistas?
Além disso não podemos esperar que Portugal no futuro próximo tenha este nível de taxas de desemprego, mesmo com perdas(!) de emprego? No destaque “Dia do trabalhador – 1 de maio” do INE, diz o seguinte: “Em 2016 (…) as pessoas com idade igual ou superior a 66 anos e dois meses que estavam empregadas representavam 9,7% do total dos empregados”. Se entendo bem, isto quererá dizer que existem pessoas a trabalhar que se podem reformar a qualquer momento em número similar à população desempregada.
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