O que vai acontecer quando o BCE (e o resto dos bancos centrais das economias avançadas, by the way) começar a subir as taxas de juro? Há um novo policy paper acerca dessa questão, publicado pelo Peterson Institute e assinado por Olivier Blanchard: Will rising interest rates lead to fiscal crisis?.
Poupando-vos à trabalheira de clicar no link e fazer scroll-down até ao fim, faço uma súmula da resposta provisória das conclusões: apesar de ser improvável, não é impossível. Mas – e este mas é importante – não é bem pelas razões que a maioria das pessoas pensa.
A ‘maioria das pessoas’ imagina uma coisa deste género: o BCE desata a subir a taxa directora, as yields de longo prazo convergem dos valores correntes (baixíssimos, seja qual for a métrica) para valores mais próximos da média histórica, a despesa pública com juros aumenta, os défices alargam-se e a dívida sobe por ali acima. Estes são os contornos gerais do problema, muitas vezes adoçicado com algumas considerações acerca de ‘repressão financeira’, o ‘dinheiro fácil do BCE’ ou ‘taxas de juro artificialmente baixas’.
Mas a história tem um problema logo no início: por que deveria o BCE subir a taxa de juro? O mandato do BCE é claro: as taxas directoras devem ser usadas para garantir que a inflação converge para os 2%; e a teoria subjacente a este mandato também: a inflação depende do PIB, e só a redução do output gap permite encaminhá-la para o valor desejado. De onde se extrai que se o BCE restringir as condições financeiras isso será feito como resposta a um crescimento mais alto e uma inflação superior. Isso será uma boa notícia, e não um problema. Usando uma imagem a que já recorri no passado, a a subida da taxa de juro é função das condições económicas, da mesma forma que a taxa de IRS é função do rendimento; quem está preocupado com um futuro de juros elevados comete a mesma falácia de quem prefere um salário miserável a um salário alto ‘porque assim poupa uma batelada em IRS. Sobre a possibilidade de o BCE ‘tirar o tapete’, cito o paper em causa:
More generally, one of the main reasons why interest rates may increase is that growth itself increases. It is then difficult to imagine that an economic recovery could, by itself, translate into a debt crisis—even if interest rates rise quickly. Rising interest rates would merely be the counterpart of rising nominal output, which will tend to reduce the debt ratio. And long-run debt sustainability should not be adversely affected: A cyclical recovery of growth may not help raise expected long-run potential growth; neither should it affect long-run expected real interest rates.
Blanchard acrescenta uma razão de natureza mais empírica: a maturidade média da dívida na generalidade das economias avançadas tem vindo a subir. Assim, mesmo uma subida exógena dos juros – isto é, que não fosse exactamente cancelada por um crescimento nominal correspondentemente mais alto – teria um impacto muito dilatado nas contas públicas. Só dentro de dois ou três anos é que os orçamentos começariam a acusar o toque – e até aí já teria sido possível fazer ajustamentos modestos para resolver o problema.
Quais os focos de risco? Em questões muito mais subtis do que aquelas que habitualmente são referidos.
Por exemplo, a Itália é claramente um outlier no panorama europeu. Foi o país europeu que menos cresceu nos últimos 15 anos e tem uma produtividade praticamente estagnada desde 2001. Há o risco sério de que um crescimento nominal mais alto no conjunto da Zona Euro se materialize bem antes de a Itália apanhar o comboio, gerando uma resposta imediata do BCE – e, neste caso, a dinâmica da dívida tornar-se-ia mais difícil de gerir. Itália estaria atrelada a uma política monetária desajustada, pelo facto de ter o seu ciclo ‘sincronizado’ com o resto da Zona Euro.
Mesmo neste caso, e apesar de a Itália ter uma dívida elevadíssima, a situação seria gerível. Isto porque a posição orçamental italiana já está próxima do nível ‘exigido’ pela aritmética para estabilizar a dívida pública. Um pequeno esforço e a situação vai aos eixos.
Motivos para descansar? Ainda não:
The implication is that an adjustment program for Italy would not have to be particularly austere and could instead concentrate on growth-enhancing measures such as product market reform and an accelerated cleanup of the banking sector. As a result, it would be far less risky—economically and ultimately politically—than the Greek 2010 program was. In light of this, lenders would not need to insist on an accompanying debt restructuring—even of a soft kind.
So, can one be completely relaxed? No. The analysis above assumes a cooperative Italian government, willing to continue, and indeed accelerate, the structural reform and fiscal adjustment process of previous years. Given upcoming Italian elections, one cannot be sure that this will be the case. Indeed, even a positive likelihood that a populist coalition may win in a coming election may lead to higher spreads today, making the task of the current Italian government more difficult. However, as shown in figure 2, the maturity structure of the debt implies that the effect on the budget between now and the elections is likely to be limited, and the current government can probably absorb the shock. Put another way, the long maturity of the debt may eliminate the scope for multiple equilibria. But obviously, if the populist party actually gets to power, all bets are off.
Mas a ideia geral, que eu gostaria de repetir, é que a ligação linear de três premissas para uma conclusão (i. os juros estão baixos; ii. a dívida está alta; iii. os juros vão subir -> vem aí o colapso) é muito menos consensual do que se pensa. Na verdade, a lógica macroeconómica sugere que o silogismo não é particularmente convincente. Os riscos de uma crise fiscal existem, mas o caminho para esse precipício é muito mais sinuoso do que parece à primeira vista:
Which brings us back to the beginning of the argument. The combination of high debt, rising interest rates, and continued low growth might create a problem for Italy or other countries but not an unmanageable one. Only when populism is added to the cocktail can it really become explosive.
O Ben Bernanke escreveu há uns anos um óptimo texto a explicar mais ou menos a mesma ideia (aliás foi o primeiro texto do blog dele):
https://www.brookings.edu/blog/ben-bernanke/2015/03/30/why-are-interest-rates-so-low/
GostarGostar