Desde há algum tempo que a minha lista de estudos se tornou tão grande e indomável que já não havia maneira de me orientar com o velhinho sistema de pastas dentro de pastas. No lento e moroso processo de conversão ao Mendeley acabei por reler algumas das notas acumuladas ao longo dos anos e dei de caras com um antiquíssimo paper de Krugman (1998), acerca da armadilha de liquidez e a situação do Japão. É engraçado reler a discussão do paper com o benefício do olhar retrospectivo.
Sem entrar em muitos detalhes, a ideia que Krugman apresentou na altura era que, dados os instrumentos à sua disposição, e os constrangimentos operacionais que o rodeavam, o Banco do Japão não conseguiria, por muito que tentasse, empurrar a inflação do terreno negativo em que estava para os desejados 2%. O mecanismo clássico de actuação da política monetária, que vai da massa monetária para o nível de preços, seria inoperante enquanto a economia estivesse a funcionar com taxas de juro nominais nulas.
A única forma de escapar desta armadilha seria o banco central ‘atar as suas mãos’ e prometer antecipadamente que a injecção de massa monetária adicional não seria revertida num período seguinte. Ou, como o próprio Krugman colocou a questão, ‘to credibly promise to be irresponsible’.
Os fundamentos teóricos da proposta não são muito importantes. O relevante, neste caso, é que Krugman argumentava que o Banco Central de um país desenvolvido estava impossibilitado de fazer aquilo que qualquer caudilho da América Latina faz do dia para a noite: aumentar a inflação. Como poderia isto ser verdade? A experiência americana e inglesa dos anos 80 mostra que travar a subida dos preços pode ser um processo doloroso, ao ponto de inflação ter sido proscrita como um tema tabu dos banqueiros centrais contemporâneos. Mas onde estava a dificuldade de fazer o contrário? O que é que o Zimbabué tem que falte ao Banco do Japão?
De facto, essa foi a linha de argumentação de Kenneth Rogoff. Acho que vale a pena ler tudo, à luz da experiência recente do BCE e do próprio Banco do Japão (versão Abenomics). O mundo dá umas voltas extraordinárias.
No one should seriously believe that the BOJ would face any significant technical problems in inflating if it puts it mind to the matter, liquidity trap or no. For example, one can feel quite confident that if the BOJ were to issue a 25 percent increase in the current supply and use it to buy back 4 percent of government nominal debt, inflationary expectations would rise. The real obstacle is that the BOJ does not want to blemish its record of price stability (…) The real problem is that the BOJ does not have the big picture right. It does not realize that a good conservative central bank should be willing to let the price level rise on a rainy day-and Japan is experiencing a typhoon.
Toward the end of the paper, Krugman intimates that the new Eu-ropean Central Bank, with its mandate to keep inflation low, may soon face similar problems, since European demographics are similar to those of Japan. This is an interesting observation, although the European Central Bank has a sufficiently flexible mandate that it could easily target an inflation rate of 1 or 2 percent for an indefinite period-if it were to perceive that such a policy was necessary.
(estou sem acentos neste teclado)
Porque e que alguem ainda da credibilidade ao Sr. Erro-do-Excel?
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Uma diferença será que os caudilhos da América Latina e os ditadores africanos usam a hiper-impressão de notas pelo Banco Central para financiar deficits, ou seja, combinam a política monetária com a fiscal.
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Eu penso – e parece-me que o Krugman também pensa – que é ainda mais subtil do que isso. No modelo dele, mesmo um Banco Central a actuar sozinho consegue fazer subir o nível de preços. A questão é que o mecanismo através do qual ele consegue obter esse efeito exige deitar temporariamente às urtigas o mandato da inflação [“para passar de 0 a 2% ele tem de estar disposto a aceitar temporariamente ir aos 4, 6 ou até 8%”. Na medida em que o BC não consegue garantir o cumprimento da promessa, a tarefa é impossível.
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