Dívida do Estado (e os seus credores)

Na nota de análise das contas públicas de 2016 o Conselho das Finanças Públicas tem um excelente quadro com a decomposição da dívida pública por sector financiador. É uma grande ideia. Há algum tempo que andava às voltas dos números do Banco de Portugal para perceber os contributos relativos de cada fonte de financiamento, mas nunca consegui saber ao certo como é que as aquisições do BCE são registadas nas estatísticas monetárias e financeiras. O resultado é o seguinte.

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Se bem percebo este quadro, cada barra mostra mostra a dívida pública de cada ano, dividida por sector financiador: a composição do stock em termos de quem o detém. Ora, é possível pegar nestas barras, calcular as diferenças de ano para ano e assim obter os fluxos correspondentes.

E isto permite-nos, se eu não tiver metido o pé na poça algures por aqui, perceber quem está a ‘entrar’ ou a ‘sair’ do negócio da dívida pública portuguesa. E, pelas minhas contas, o resultado é mais ou menos o seguinte.

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Este quadro é o mais completo, mas tem tanta coisa que pode ofuscar aquilo que me chamou mais a atenção. Por isso proponho analisar apenas três destas linhas à lupa:

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Eu sabia que peso do BCE nos fluxos de financiamento brutos do Estado era considerável, mas confesso que não tinha bem noção das proporções. Em 2016, por exemplo, foi o sector que mais dívida pública adquiriu – mais de 10 mil milhões de euros.

Tão ou mais curioso é o comportamento do sector externo e do sistema financeiro nacional. Os bancos portugueses, que tinham vindo a reduzir a exposição ao sector público desde 2013, fizeram inversão de marcha em 2016. E o ‘exterior’ (investidores estrangeiros) fez o percurso inverso: aumentou a exposição em 2014/2016 e desatou a vender títulos em 2016. Alguma história para dar sentido a este conjunto?

 

4 comments on “Dívida do Estado (e os seus credores)

  1. jvgama diz:

    «desatou a vender títulos em 2016»
    Esta é uma história sem qualquer noção das proporções (ou seja, o que vou contar pode representar uma quantidade muito pequenina do que está em jogo), e também não corresponde a venda de títulos. Mas esse diferencial líquido por ano não precisa de corresponder a uma “venda”: se alguns títulos de uma instituição atingem a maturidade e essa instituição se recusa a adquirir novos, o efeito será semelhante.
    Ora parece que a Blackrock e a PIMCO lideraram um esforço de boicote à dívida Portuguesa como resposta aquilo que alegam ter sido a injustiça na resolução do caso BES.

    http://expresso.sapo.pt/economia/2017-03-25-Gigantes-estrangeiros-assumem-boicote-a-Portugal

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    • Isso pode ter alguma coisa que ver, mas nota que por muita vontade que a BR e a PIMCO tenham de não renovar os títulos, o impacto efectivo dependerá sempre da percentagem de títulos nacionais (detidos pelos dois grupos) que chegaram à maturidade em 2016. Tenho alguma dificuldade em acreditar que tenham sido tantos.

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      • jvgama diz:

        Pois, eu disse que não tinha noção das proporções, mas numa notícia qualquer li que essas duas instituições eram o maior detentor externo de dívida nacional. Mas confesso que foi uma leitura em diagonal e continuo sem noção do que é que isso significa ao certo (se a dispersão for muita, isso pode querer dizer pouco).

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  2. hf diz:

    Era importante o último gráfico ter começado em 2010.
    No que toca à evolução da dívida portuguesa detida pelo exterior, em termos de fluxo, os movimentos verificados de 2010 para 2011/12 vão no mesmo sentido do verificado de 2015 para 2016. Será que se deve a uma perceção de maior risco do Estado português? As taxas de juro variaram no mesmo sentido nos períodos referidos.

    Quanto ao movimento do setor financeiro português, será que os bancos portugueses compraram mais títulos de dívida portuguesa (para compor o seu ativo, ou para servirem de colateral junto do BCE – confesso que estou um pouco a leste de economia monetária atualmente) em 2016, em função da descida dos preços destes ativos, fruto do aumento das taxas de juro?

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