Quando é que o Banco Central Europeu vai finalmente pôr fim à política de taxas de juro zero? Não é preciso ser mago para adivinhar a resposta: os juros vão subir quando as condições económicas assim o justificarem. Isto é, quando a taxa de inflação estiver solidamente ancorada em torno da meta de 2%.
Mas esta é a resposta fácil, e ninguém aqui quer um comentário à La Palisse. O que queremos saber, na verdade, é quando é que as condições económicas vão encaminhar a inflação para o ponto desejado. E aqui as coisas começam a ficar mais interessantes.
A forma mais comum de ligar a inflação às ‘condições económicas’ é através de uma Curva de Phillips. Para tornar curta uma história longa, a Curva de Phillips ‘diz’ (entre muitas outras coisas) que quando o desemprego está alto as empresas tendem a descer preços, o que ‘puxa’ a inflação para baixo; e que quando o desemprego é escasso a procura é mais alta, o que empurra a inflação para cima. Mais ou menos assim assim (friso o mais ou menos – os puristas, e os que acham que estou 50 anos desactualizado, podem avançar para a nota de rodapé lá de baixo1):
A Curva de Phillips é um artefacto útil para entender o comportamento recente da inflação na Zona Euro. À luz deste modelo, a dificuldade do BCE em atingir a sua meta de 2% não devia ser estranha – pelo contrário, é um resultado perfeitamente expectável, tendo em conta o desemprego elevado que ainda se faz sentir na Zona Euro.
Até que ponto é que este modelo teórico tem relevância prática? Na verdade, a Curva de Phillips tem um óptimo comportamento na explicação dos dados, pelo menos se tivermos em conta a fasquia habitualmente usada para avaliar teorias em macroeconomia. O gráfico de baixo, feito um pouco a ‘olho nu’, mostra que o desemprego explica cerca de dois terços do comportamento da inflação2.
Se há uma relação estável entre desemprego e inflação, então é facílimo saber quando é que a inflação vai estar nos 2%. Basta estimar a relação entre as duas variáveis e fazer o cálculo. E a resposta, usando a equação lá de cima, é que o BCE só conseguirá cumprir o seu mandato quando a taxa de desemprego atingir os 8%. Bom, mais coisa, menos coisa3.
Neste momento, a taxa de desemprego está acima dos 9%, mas abaixo dos 10%. E eu não tenho uma grande ideia acerca da velocidade a que vai cair o desemprego, mas também não me parece que o registo histórico recente seja uma má aproximação. Por isso, aqui vai mais um gráfico, desta vez com o perfil da taxa de desemprego nos últimos anos e uma projecção para o futuro, usando a tendência recente para servir de guia.
Se levarmos este exercício a sério – e eu não quero levá-lo demasiado a sério, mas como ponto de partida também não é mau – então só lá para finais de 2018/inícios de 2019 é que o mercado laboral vai ter o vigor suficiente para gerar pressões inflacionistas.
Agora, eu não sei muito bem se os leitores acham isto tardio ou prematuro; mas sei que, a julgar pelo comportamento dos investidores, os mercados parecem fazer uma avaliação bem mais sombria das perspectivas económicas da Zona Euro. Ou, em alternativa, estão apenas a ‘ancorar’ as suas expectativas de longo prazo em torno dos valores recentes.
Tenho escrito uma série de vezes (1, 2, 3) que os receios de um aperto monetário súbito são infundados: o BCE vai subir os juros apenas e só quando as condições económicas o justificarem. Mas parece-me haver alguma incongruência entre a evolução das condições económicas no presente e o juízo que os mercados fazem da evolução futura das condições de financiamento. Ou, citando Fatas:
These levels are not consistent with any reasonable scenario for growth or interest rates over the next decades (…) Either this is the end of growth as we know it or the start of a 30-year period of extremely low inflation combined with deflation or our expectations are seriously off and we are up for an interesting surprise.
Basta dar uma olhadela de 5 segundos para ver que os mercados bolsistas estão tremendamente inflacionados, o que é normal, dada a taxa de juro próxima de 0.
A recessão de 2007/8 deu-se devido a uma expansão do crédito desde a bolha dotcom, portanto, para mitigar os efeitos “nefastos” para a economia, apostou-se na minha cura de antes: expandir ainda mais o crédito. Com a crise da dívida pública, para evitar novo pânico nos mercados financeiros, optou-se por expandir ainda mais o crédito.
Concretamente, com taxas de juro tão baixas, o custo do capital é incrivelmente baixo, pelo que há projetos de investimento que vêem a luz do dia que, em circunstâncias normais (ou, pelo menos, normais há uns 30 anos; o que é que é normal hoje?!), não veriam.
Há projetos de investimento cujo potencial de rendibilidade é fraco, o que os torna bastante frágeis a longo prazo. Não será este um dos problemas ao virar da esquina?
Por outro lado, o constante resgate a instituições de crédito desvirtua completamente o conceito de moral hazard; na realidade, qualquer instituição de crédito com uma determinada dimensão sabe que tem rédea larga, porque se for necessário, será salva. Não está aqui um desvirtuamento da atividade económica e financeira? Uma retirada da responsabilidade individual, um atentado ao liberalismo?
Para mim, que sou relativamente novo na área económica, e para não me alongar muito no comentário, acho que o principal problema está na discricionariedade limitada na política monetária atual. Estamos constantemente a discutir soluções para os problemas que se avizinham, soluções essas que são sempre as mesmas para exatamente o mesmo problema. Não será altura de adotar medidas que evitem esses problemas?
Algo como, pura e simplesmente, deixar a taxa de juro overnight/restante estrutura de prazos flutuar livremente (ao passo que atualmente circula apenas entre as bandas dadas pelas facilidades permanentes)? Sinalizar que não haverá resgates a instituições de créditos, tal que haja uma assunção de responsabilidade individual, e deixar cair o que tem de cair, por não ter uma rentabilidade suficientemente justificadora da sua permanência em atividade?
Não será, também, uma ideia a considerar deixar cair o sistema de reserva fracionária?
Cumprimentos
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Não penso que a política monetária (ou o sistema fraccional, já agora) tenha desempenhado qualquer papel de relevo na germinação da crise. Em relação ao free float da taxa de juro, já foi experimentado durante os anos 80 e a opinião quase consensual, até entre os seus defensores originários, é que foi um tiro no pé.
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A concessão de crédito nos EUA pós-dotcom foi bastante facilitada, a par da entrada de fundos decorrente das crises russa e dos países emergentes asiáticos, o que levou a um boom imobiliário.
Este boom foi perpetuado pela já referida política monetária acomodatícia da reserva federal norte-americana. Como se sabe, a manipulação do preço do crédito desvirtua a perceção de risco que os agentes económicos têm dos investimentos que fazem.
Em cima desta inflação do mercado imobiliário criou-se todo um conjunto de produtos financeiros, grande parte deles que envolvia hipotecas, designadamente CDOs, cujo valor estava associado às referidas hipotecas.
Tanta inovação financeira, com promessa de alta rendibilidade, levou imensos investidores internacionais a investir no mercado imobiliário dos EUA, direta ou indiretamente, no que consubstanciou uma “self-feeding bubble”.
De acordo com a evolução da Federal Funds Rate do trading economics, verifica-se que esta registou uma trajetória ascendente (e rápida) no início de 2005 até 2007. A olhómetro, não subiu menos de 3 pontos percentuais, o que acelerou o rebentamento da bolha.
Se a política monetária acomodatícia seguida pela FED não teve qualquer papel de relevo na germinação da crise, então como se explica que a expansão de crédito por si induzida (que implica natural diminuição da perceção do risco por parte dos agentes económicos) aparente estar diretamente relacionada com a bolha imobiliária?
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Hélder, a relação entre crédito, risco e taxa de juro é um pouco mais complexa do que se subentende no seu comentário. Em princípio, a terceira não afecta o segundo, e o efeito que tem no primeiro é contrabalançado pelo efeito que tem no rendimento. Ou, posto de outra forma, a alavancagem tem muito pouco que ver com a política monetária.
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Creio que o Helder sera um seguidor da “escola austriaca”.
Nao me parece que esta tenha respostas crediveis para a crise.
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