A Estagnação Secular está aí?

Por que estão as taxas de juro tão baixas? Por que é que alguns países europeus estão na prática a receber dinheiro sempre que pedem um empréstimo nos mercados? Por que é que a remuneração dos depósitos mal chega para cobrir a inflação?

Se lhe perguntarem isto, a sua resposta acabará provavelmente por fazer referência ao BCE. É possível que invoque a política monetária dos últimos anos, o Quantitative Easing, o facto de a taxa de remuneração de depósito estar em níveis negativos ou alguma acção deste género. Mas o argumento, com toda a certeza, girará em torno de uma determinada opção tomada pela autoridade monetária.

Num certo sentido, isto é verdade: o BCE fixa as taxas de juro, e essas taxas de juro são transmitidas ao resto da economia. Por outro lado – e este é um ponto crucial a que quase ninguém costuma fazer referência – a moderna teoria económica assenta na ideia de que a política monetária tem efeitos exclusivamente no curto prazo. O Banco Central pode aumentar ou reduzir a quantidade de dinheiro em circulação e, assim, influenciar as taxas de juro. Mas assim que os preços se ajustam ao novo volume de massa monetária, os efeitos reais desaparecem.

O principal corolário deste princípio é que o Banco Central apenas controla as taxas de juro em horizontes temporais relativamente curtos (embora o “curtos”, aqui, possa ser um período como dois ou três anos). A longo prazo, a acção do BC afecta sobretudo o nível de preços, e não o custo real dos empréstimos. Este princípio, chamado neutralidade do dinheiro, é perfeitamente ortodoxo (embora possivelmente pouco conhecido, uma vez que o Antonio Fatas passa boa parte do seu tempo livre a explicar como é que a coisa funciona, e o próprio Ben Bernanke sentiu necessidade de discutir a questão numa série de posts).

Mas se não é o BC a manter os juros em 0%, então o que é? Até recentemente, não havia muito mais do que especulação informada, como a hipótese da global savings glut, de Ben Bernaneke. Mas dois economistas do Banco de Inglaterra decidiram mergulhar na questão e escreveram um paper monumental, que é provavelmente tentativa mais arrojada para dar uma resposta a esta questão: Secular Drivers of the Global Real Interest Rate.

O que diz o paper? Basicamente, que a tendência para a descida das taxas de juro não é nova. É um processo em marcha há várias décadas, que pode ser perfeitamente decomposto em factores reais: tendências demográficas, crescimento potencial (que determina a procura por investimento, e portanto por fundos monetários), evolução da produtividade, etc.

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A análise destes factores, magistralmente contabilizados pelos autores através de um imenso manancial de informação (até a desigualdade é metida ao barulho), sugere que esta tendência não se vai alterar nos próximos anos. Ou seja, a economia mundial parece estar definitivamente a dirigir-se para uma situação em que a taxa de juro natural – a taxa de juro consistente com o pleno emprego – é negativa, suportando a polémica ideia de Larry Summers de que a Estagnação Secular é uma possibilidade real.

Em baixo, um resumo do estudo:

Our quantitative analysis highlights slowing global growth as one force that may have pushed down on real rates recently, but shifts in saving and investment preferences appear more important in explaining the long-term decline. We think the global saving schedule has shifted out in recent decades due to demographic forces, higher inequality and to a lesser extent the glut of precautionary saving by emerging markets. Meanwhile, desired levels of investment have fallen as a result of the falling relative price of capital, lower public investment, and due to an increase in the spread between risk-free and actual interest rates. Moreover, most of these forces look set to persist and some may even build further. This suggests that the global neutral rate may remain low and perhaps settle at (or slightly below) 1% in the medium to long run. If true, this will have widespread implications for policymakers — not least in how to manage the business cycle if monetary policy is frequently constrained by the zero lower bound.

 

10 comments on “A Estagnação Secular está aí?

  1. Os resultados da analise parecem totalmente errados, e as premissas idem (e será daí, em parte, mas só em parte, que saem os resultados errados – o resto vem da cegueira e das opiniões dogmaticas assumidas logo à partida pelos autores).

    A referencia às “desigualdades” diz logo tudo sobre a visão errada do problema.
    Se exceptuarmos os paraisos socialistas (Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, etc.) em que todos menos os dirigentes são igualizados na pobreza completa, os habitantes das nossas sociedades (ditas “ocidentais”, mas incluindo o Japão, etc.) nunca estiveram tão igualizados (na realidade, isto é, apos o pagamento dos impostos, o pagamento e o recebimento das prestações sociais, e de aplicadas as multiplas benesses só para alguns, ao nivel de preços de quase tudo – habitação, electricidade, saude, ensino, etc…)!
    Só a mais absoluta cegueira ideológica pode negar este facto óbvio:
    Nunca a diferença pratica de nivel de vida entre “ricos” e “pobres” foi tão reduzida como actualmente.

    Em relação a causas para a “estagnação secular”, o Summers, e os da sua laia serão os ultimos a percebe-las.

    Que tal olhar para o crescente peso dos estados sociais e da regulação asfixiante para actividades economicas (regras para tudo, mas acima de tudo as laborais – incluindo os salarios minimos, etc.) como grande parte do problema?
    Isso resulta em completo desincentivo para investir, e em empobrecimento progressivo dos paises e do conjunto das populações.
    (Obviamente, os que poderiam ser mais produtivos sentem-se roubados e injustamente “equalizados”, e desistem de se esforçar. Os menos produtivos sentem-se quase equalizados, sem esforço, e preferem essa situação – para quê fazer esforços a trabalhar se 1) o trabalho faz calos, e 2) se se pode conseguir o resto da igualização através do voto, votando por maior “justiça social”?)

    E depois há os esforços dos bancos centrais e dos desgovernos para combater os efeitos ao nivel do crescimento do crescente socialismo de estado (referidos acima):
    Criaram gigantescas bolhas de credito/divida (nos particulares, nas empresas e nos estados) que neste momento já são tão claramente exageradas, que já deixaram de poder crescer aos ritmos anteriores, resultando no fim da alegria geral de investimento e consumo a credito, e na tal deflação, e na tal ausencia de crescimento…

    A continuação das coisas é 100% previsivel:
    O keynesianismo/krugmanismo vai continuar a dominar cada vez mais, e a correr cada vez mais depressa.
    Vai-se acabar com o dinheiro em dinheiro, vão se impor taxas de juro negativas aos depositantes/aforradores, vai-se aprofundar ainda mais o socialismo (e os impostos sobre os “ricos”) e o peso dos estados nas economias (e na regulação) e, por fim, guiados pelos estalinistas, trotzquistas, e maoistas (ou, em alternativa, pelos “socialismos nacionalistas” das Frentes Populares) teremos os amanhãs que cantam…

    Vai ser giro!
    (E aliás, já está a ser, actualmente…)

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    • João diz:

      Amigo Pedro de Almeida.

      “Nunca a diferença prática de nível de vida entre “ricos” e “pobres” foi tão reduzida como actualmente.”
      Não sei em que é que o Pedro se baseia nesta afirmação mas não creio que retrate a realidade. De acordo com a OCDE o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é o maior dos últimos 30 anos. Hoje os 10% mais ricos ganham 9,6 vezes mais que os 10% mais pobres; nos anos 80 o rácio era de 7:1; nos 90s era de 8:1; nos anos 2000 era de 9:1. Obviamente que, estando a falar de médias, haverá países onde a discrepancia será menor, outros onde será maior.
      Basta um olhar atento pela e-janela:
      – Proliferam os restaurantes gourmet de preços altos; aumenta o recurso de famílias carenciadas a cantinas de apoio social
      – As marcas automóveis de gama alta e de luxo aumentam o volume de vendas; a idade do parque automóvel está cada mais elevada, estava (em 2015) nos 12 anos
      – Os 10% mais ricos concentram entre 25 e 30% dos rendimentos

      “Que tal olhar para o crescente peso dos estados sociais e da regulação asfixiante para actividades economicas (regras para tudo, mas acima de tudo as laborais – incluindo os salarios minimos, etc.) como grande parte do problema?”
      A falta de regulação é sempre parte do problema. Em qualquer setor – seja económico, legal, social – a falta de regulação gera desigualdades e injustiças. Exemplo disso são as crises incentivadas pela fraca regulação:
      – Em 2001 a bolha das tecnológicas
      – Em 2006 a crise do subprime
      – Em 2007 a queda do Lehman Brothers e da AIG
      – Em 2008 o default da Islândia
      A falta de regulação gera o chicoespertismo, meio mundo a enganar o outro. Certamente o Pedro concorda que isto acontece nos “paraísos socialistas”. Eu gosto de acreditar que não é um problema meramente ideologico, é um problema do ser humano. Basta ver as notícias para perceber que acontece amiúde no nosso país: BPN, BES, swaps, submarinos, Sócrates, Relvas, suspeições em contratações de ex-governantes, casos de corrupção e lavagem de dinheiro, etc. O problema é que em muitos destes casos não é violada nenhuma lei ou regra, é sim aproveitado o facto de não existir legislação.
      O excesso de regulação é, isso sim, asfixiante. O problema será definir a linha que separa a falta do excesso…

      Qualquer um pode argumentar que o argumento de outros está errado. E sempre que essa discussão é política, desportiva ou religiosa ninguém sairá com razão.
      Porém, é notório o ódio que o Pedro tem pelo socialismo e a sua ideia que esta ideologia é absolutamente negativa. É também notório que em 2007 o socialismo, a nível mundial, era muito residual porém o mundo caiu numa grande recessão.

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      • João, por longa experiencia pessoal sei que é inutil discutir estas coisas,
        As posições dos esquerdistas estão solidificadas por todo um vastissimo edificio de mentiras em que acreditam e que julgam coerente, e porque no fundo compreendem que não podem deixar de acreditar em cada uma das peças dessa construção, porque isso colocaria em causa (e faria desmoronar) todo o edificio.
        Por isso, nem nos mais pequenos detalhes da vossa ideologia podem aceitar mudar de opinião.
        Dito isto, e sabendo que é inutil rebater/debater em detalhe os seus pontos de vista, vou mesmo assim fazer 3 comentários:
        1.
        Desigualdades:
        Essas medidas de “desigualdade” (“diferença”, o termo portugues para esse significado, não soa tão politicamente correcto, pois não?) que refere são certamente sem ter em consideração os impostos pagos (por uns) e as prestações sociais recebidas (por outros).
        Para um exemplo de como os resultados mudam depois disso, veja isto:
        http://www.zerohedge.com/news/2012-12-01/why-americans-have-lost-drive-earn-more

        Conclusão:
        É facil ler piketty a mais, e saber de menos das realidades.
        Exemplo das realidades: Há poucas decadas, os ricos viviam em palacios que agora são do estado ou são hoteis. E tinham criados e criadas internos, tinham jardineiros, etc.. Os pobres PASSAVAM FOME e pediam esmola. Agora os “ricos” vivem em apartamentos um pouco maiores e mais bem situados do que os dos “pobres”, usam os mesmos telemóveis, os mesmo tenis, etc.,
        Os politicamente correctos acusam as desigualdades de tornarem os “pobres” actuais demasiado gordos (!!!) por não terem acesso à comida saudavel, e terem de comer fast food. (Como se uma couve fosse mais cara do que um hamburger do McDonalds.)
        Se não fosse obviamente esquerdista sugeria-lhe que pensasse por si nas diferenças de posses e de nivel de vida e de consumo entre ricos e pobres ao longo dos ultimos 100 anos (por oposição a reler os lixos dos pikettys, stiglitz, e quejados).
        Certamente chegaria às conclusões certas.

        2.
        A falta de regulação é sempre parte do problema?
        Nunca tivemos tanta legislação e regulação como agora (nem nada que se aproxime, sequer)!.
        Sabe quantos codigos legais existem em Portugal?.
        Quantas “entidades regulatórias” (e acha que são baratas de mater)?
        Quantas Leis variadas?
        Quantas paginas de legislação e regulamentos a varios niveis?
        (Ve-se bem que não tem de gerir uma empresa, senão saberia imediatamente que a regulação é esmagadora!)
        Sabe qual é o ritmo de produção e acrescento anual de nova legislação em regulação?
        Conclusão:
        Se pensa assim, ao comparar a realidade legislativa e regulatória actual com a de há umas decadas (some o numero de paginas de leis e regulamentos de agora e compare-o com o de há uns 15, 30, ou 60 anos, por exemplo, ou se quiser simplificar conte apenas as “entidades regulatórias”), só pode concluir que actualmente temos de estar livres de qualquer problema!
        O crescimento economico das nações ocidentais tem de ser muito maior do que em qualquer momento do passado, os estados muito mais bem geridos e governados, a igualização das pessoas que cá vivem muito maior, e mais importante do que tudo o reasto a alegria e felicidade das pessoas tem de estar nos pincaros!
        Os Banifs, BES, Swaps, etc. só podem ter acontecido em tempos idos, de dramática sub-regulação!
        Nunca poderiam ocorrer nos tempos actuais!
        O mesmo com o desemprego!
        Há 40 ou 50 anos, sem toda a legislação laboral (que agora já existe) a proteger os trabalhadores, e evitar o seu despedimento, certamente que os niveis de desemprego eram muitissimo mais altos do que actualmente!

        Enfim, é triste ter de apontar/relembrar estas realidades seja a quem for…

        3.
        “É também notório que em 2007 o socialismo, a nível mundial, era muito residual”
        LOL, aí só resta mesmo rir (ou chorar).

        Depois do pós-Segunda Guerra (digamos, desde as loucuras revolucionarias do final da decada de 1960), as nossas sociades evoluiram tão rápido para o socialismo, que actualmente a Social Democracia (que sempre formou a base da Internacional Socialista) é actualmente vista como sendo de direita!
        Que governos ou bancos centrais de 2007 (e anteriores) não eram keynesianos?

        Para manter a discussão a um nivel realmente basico:
        Que partido é que em 2007 desgovernava Portugal?
        Que partido é que em 2007 desgovernava a Espanha?
        Que partido é que em 2007 desgovernava a Grecia?

        Ou só temos socialismo agora, com o Costa no poder?

        E já vai longo.
        Como sei que é inutil discutir estas coisas, fecho aqui a minha participação.
        Cumprimentos.

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      • Penso que o link do zerohedge que o Pedro apresenta não se refere à diferença de rendimentos entre os “ricos” e os “pobres”; refere-se à diferença de rendimentos (pós impostos e subsidios) entre os “pobres” e aquelas pessoas que estão pouco acima da “pobreza” (para dai argumentar que não há incentivo para tentar subir na vida) – isso até pode ser uma questão importante (nomeadamente em termos de discutir os efeitos preversos da politica social), mas não tem rigorosamente nada a ver com a questão de se as desigualdades entre “ricos” e “pobres” são maiores ou menores atualmente.

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      • “Que partido é que em 2007 desgovernava a Grecia?”

        Bem, neste até era a Nova Democracia.

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  2. leo diz:

    Creio que todo o argumento do Pedro Almeida e algo do genero:
    “Se nao concorda comigo, e esquerdista”

    Infelizmente nao o sustenta em numeros
    1. O Argumento de que “os ricos viviam em palacios e os pobres morriam de fome” nao prova nada sobre desigualdades. Alias, poderei afirmar (sem numeros) que isso continua a ser verdade, afinal continua a haver fome em Portugal, enquanto que se continuam a vender casas de largos milhares.
    Esta e a minha favorita:

    http://www.rightmove.co.uk/overseas-property/property-51677866.html

    2. Nao ha numeros que sustentem as suas afirmacoes. Mas se nao me parece que sejam necessariamente falsas, o facto e que o enquadramento actual e diferente do enquadramento passado. Por exemplo no passado, varios sectores eram exclusivamente publicos (por exemplo, Telecom). Quando isso sucedia, a “regulacao” nao era necessaria, os governos podiam dirigir especificamente as empresas para fazerem o que fosse desejado.
    Por outro lado, digamos em sectores como a restauracao, parece-me que sera verdade que efectivamente ha mais regulacao hoje. Mas isso sucede por impeto do consumidor – o facto e que eu QUERO a ASAE. Sei que irei pagar mais pelas refeicoes no restaurante, mas nao estou para me sujeitar a atentados contra a minha saude. Ora, se isso me faz um “esquerdista”… seja.

    3.Nao me parece que muitos governos ou Bancos Centrais fossem Keynesianos, nem ainda sao. Se assim fosse, ja teriamos visto um push global para investimento em infraestruturas por parte dos Estados.. e estamos a espera.
    Por outro lado devo relembrar que “os excessos” da banca estao relacionados com o vector de maior desregulamentacao da banca por parte dos Estados, muitas vezes com o beneplacito das autoridades reguladoras.

    PS: O meu teclado nao tem acentos…!

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    • Nuno diz:

      A discussão sobre desigualdades é deveras interessante.

      Essa casa que adora vale/custa o que estiverem dispostos a pagar por ela. Mais relevante que isso é saber qual é a diferença efectiva de qualidade de vida entre viver nessa casa vs. outra 100 ou 500 vezes mais barata localizada a 10km de distância. Há alguma? Morre-se menos de frio? As sanitas são mais higiénicas?

      Discutir desigualdades com base em luxos sem qualquer tradução prática, mais, dizer que as desigualdades aumentaram com base nisso, torna-se caricato. Dá azo a queixas como a das “marcas automóveis de gama alta e de luxo (que) aumentam o volume de vendas (quando) a idade do parque automóvel está cada mais elevada”.

      Onde antes havia os que tinham carro e os que não tinham, hoje nem todos podem ter o Mercedes com que sonham. Têm que se contentar com o Dacia da praça de Táxis, que faz as mesmas centenas de milhar de kms. No PREC eram precisos 2500 salários minimos para comprar um Renault 5; hoje, com 25 salários mínimos compra-se um Dacia. É isto o aumento das desigualdades?

      A grande generalidade das pessoas nas nossas sociedades vive bem, com mais saúde até mais tarde, bem alimentada, com um tecto confortável, com telefone e acesso à internet, possibilidade de viajar de vez em quando. E a discussão sobre “distribuição de rendimentos” foca-se exclusivamente nos luxos duma minoria, olhando sempre para cima, sem nunca olhar para as centenas de milhões de pessoas abaixo de nós que, noutras geografias, vivem com bem menos e ainda assim estão a sair da pobreza em que viviam.

      Isto quando, muitas vezes, os rendimentos, e sobretudo os “net-worths” desses magnatas pouco ou nada tem que ver com rendimento efectivamente disponível para consumo, e são meras invenções contabílisticas, relacionadas com a sua participação em sociedades.

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  3. jvgama diz:

    Mas que confusão!

    «No PREC eram precisos 2500 salários minimos para comprar um Renault 5; hoje, com 25 salários mínimos compra-se um Dacia. É isto o aumento das desigualdades?»

    Em primeiro lugar, duvido que muitos ponham em causa que as desigualdades diminuíram em Portugal nos anos que se seguiram ao PREC. Sim, diminuíram. Quando se fala no aumento das desigualdades de riqueza e rendimento que se verifica nos países ricos (quase todos) fala-se num fenómeno que começou em meados dos anos 80 e se generalizou uns anos depois.

    Por outro lado, é normal que a riqueza média tenha aumentado. A ciência progride, o conhecimento progride e difunde-se, a tecnologia progride, mesmo com um aumento das desigualdades é possível que a qualidade de vida aumente – mas claro que não aumenta tanto como aumentaria se não existissem desigualdades excessivas.
    E elas estão a chegar ao ponto em que realmente colocam entraves ao crescimento: https://www.imf.org/external/lang/portuguese/pubs/ft/survey/so/2015/new061715p.pdf

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    • Nuno diz:

      Portanto, quando as coisas nos correram bem foi naquele lusco fusco entre o PREC e os meados dos anos 80, em que houve 2 intervenções do FMI?

      Portugal evoluiu de forma fenomenal em toda a segunda metade do século XX, multiplicando o PIBpc em PPP 7x desde 1950, sendo o maior período de quebra o PREC e o maior período de expansão o Cavaquismo. Ganharam os ricos, e ganharam de forma tão ou mais expressiva os pobres, que em 1950 viviam pior do que hoje se vive nas ex colónias.

      Se queremos falar no mundo, Portugal está no topo, não no fundo. As manifestações dos 99% são extremamente interessantes, porque os manifestantes estão nos percentis 90-99 a queixar-se dos 1pp acima em vez de olharem para os 90pp abaixo.

      Quando milhões de pessoas deixam de dispender toda a sua energia a garantir o próximo jantar, e passam a ter tempo para “first world problems”, a ciência, o conhecimento e a tecnologia progridem rapidamente. Depois torna-se cada vez mais difícil oferecer ganhos expressivos de qualidade de vida às pessoas. A riqueza é canalizada para consumo de luxo (com poucas diferenças práticas de qualidade de vida) ou para investimento (ainda bem).

      Por no mesmo plano a “desigualdade de rendimentos” entre só poder comprar um pão para o jantar ou com 20x mais na carteira poder comprar carne e entre alguém que gasta $10k num Apple watch de ouro e alguém que se tem que contentar o modelo 20x mais barato, torna o conceito inútil.

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      • jvgama diz:

        «Portanto, quando as coisas nos correram bem foi naquele lusco fusco entre o PREC e os meados dos anos 80, em que houve 2 intervenções do FMI?»

        No caso português, como costume nestas coisas, tivemos um atraso em relação aos restantes países desenvolvidos, e o descalabro começou mais tarde.
        Mas a verdade é que durante esse período, mesmo com as intervenções do FMI lá pelo meio, o PIB de Portugal cresceu muitíssimo, e a qualidade de vida aumentou bastante.
        Aliás, em gritante contraste com o que se passou nos últimos tempos.

        «Se queremos falar no mundo, Portugal está no topo, não no fundo.»
        Portugal é de facto um país rico, e referi-me a Portugal como um país rico. Aliás, este processo de gigantesco aumento das desigualdades tem acontecido fundamentalmente nos países ricos.

        «Depois torna-se cada vez mais difícil oferecer ganhos expressivos de qualidade de vida às pessoas. »
        Se uns não tivessem de trabalhar tantas horas que não têm o mínimo tempo para dedicar à família, à intervenção cívica, ao enriquecimento cultural e ao lazer, enquanto outros tantos não encontram emprego, isso até poderia ser verdade. Sim, o consumo obedece à lei dos rendimentos decrescentes, mas há muito a fazer nos países desenvolvidos para aumentar a qualidade de vida.

        «Por no mesmo plano a “desigualdade de rendimentos” entre só poder comprar um pão para o jantar ou com 20x mais na carteira poder comprar carne e entre alguém que gasta $10k num Apple watch de ouro e alguém que se tem que contentar o modelo 20x mais barato, torna o conceito inútil.»
        Na generalidade dos países o problema da desigualdade não se manifesta tanto na incapacidade de consumo de quem trabalha, mas no flagelo do desemprego de um lado, e na falta de tempo para viver do outro.
        Mas em Portugal, onde o salário médio ronda os 700e e uma percentagem significativa da população tem rendimentos inferiores ao salário mínimo, também existe um problema grave do lado do consumo.

        Como mais desigualdades estão relacionadas com menor mobilidade social, maior criminalidade, pior saúde, e uma série de outras variáveis com um impacto importante na qualidade de vida, é um erro colectivo termos deixado que se acentuassem tanto.

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