Precisamos mesmo de uma união política para salvar o euro?

Já todos ouvimos dizer que uma união monetária sem uma união política está condenada (veja-se a Zona Euro). Será mesmo assim? António Fatas argumenta em Financial crisis, the euro and the need to political union que essa conclusão não é nada óbvia, e que a crise recente da Zona Euro não tem directamente a ver com a falta de um orçamento comum. Vale a pena ler (e, se gostarem, reler o velhinho Is a monetary union without a fiscal union doomed?).

There are plenty of example where the European Union (EU) requires some serious political consensus: the EU requires partial transfers of sovereignty to a supranational authority when it comes to legislation, the EU has economic mechanisms that imply a significant transfer of income across countries (via its budget, the structural and cohesion funds). Then why is it that the EU does not require to be backed by a political union in the same way the Euro project does?

(…)

The euro facilitated flows across countries as exchange rate risks had disappeared and provided the illusion of no risk. Second, once the flows had taken place it created financial links between banks and governments across countries that made them exposed to the same risk. In addition, the ECB because its connections with banks became a central repository of that risk and a solution for some of the countries facing a credit crunch — the ECB acted like the IMF in many ways.

None of this is exactly about monetary policy, even if the ECB is involved. This is about financial risk and how financial crises have painful economic consequences. When sharing a currency the risk of financial crisis and its potential solutions bring countries and governments together in a way that a political consensus seems to be necessary because transfers might be involved and because common political solutions need to be found. And while these transfers might be smaller than the ones agreed as part of the Social and Cohesion Funds of the European Union, they come as a surprise and they are uncertain (we cannot agree ex-ante on their final size). This is what makes the Euro project a much more difficult one to manage without a sense that we all belong to the same group and are willing to work on this together.

For many, the Euro was one of the projects within the much bigger ambition behind the European Union (which came with the idea of a partial political union). But the recent financial crisis has shown that the risks associated to sharing a currency when financial and sovereign crises are possible, are a lot larger than what we thought. And these risks are much larger than the risks associated to simply sharing the same currency and the same monetary policy (yes, one interest rate does not fit all but this is not the real issue this time).

10 comments on “Precisamos mesmo de uma união política para salvar o euro?

  1. Joao diz:

    O problema do euro nao sao os riscos financeiros. A crise financeira na Islandia foi muito maior que em qualquer pais do euro, e no entanto a Islandia ajustou e voltou a crescer rapidamente. O problema do euro e a falta de taxas de cambio nacionais. A taxa de cambio e o mecanismo mais eficaz para absorver choques e corrigir desequilibrios financeiros (comparar a recuperacao na nossa crise de 83 com esta). Sem taxa de cambio e preciso proibir defices nacionais (como existe ao nivel dos Estados americanos) e um sistema de transferencias contraciclicas entre estados (subsidios de desemprego, resolucao de bancos, etc). Este tipo de politicas envolve uma enorme transferencia de soberania para a Europa: vetos sobre orcamentos nacionais, impostos Europeus significativos para financiar as transferencias, autoridade sobre o sistema financeiro. Chame-se a isto uniao politica ou nao, e o que e. E mesmo assim o ajustamento sera sempre mais duro que atraves de um sistema de cambios flexiveis, a nao ser que os Europeus se habituem como os americanos a uma mobilidade laboral bastante maior. Achar que esta crise foi uma excepcao que nunca mais vai acontecer e puro wishful thinking.
    Para mim a discussao do euro e puramente politica, entre aqueles que preferem ser predominantemente governados a nivel nacional ou europeu. Nao ha vantagem economica em estar na moeda unica, o melhor que se pode dizer e que a longo prazo, no contexto de uma integracao politica maior, sera mais ou menos indiferente.

    Gostar

  2. “Sem taxa de cambio e preciso proibir defices nacionais (como existe ao nivel dos Estados americanos)”

    Porquê? A mim até me parece que uma proibição de deficits até alarga o problema da falta de cambios variáveis.

    E posso estar errado, mas creio que os Estados americanos não são proibidos de ter deficits – muitos têm nas suas constituições artigos proibindo deficits, mas têm porque querem, não porque o governo federal assim o imponha.

    É verdade que na Europa há um problema adicional – é que ao contrário da maior parte dos bancos centrais do mundo, o BCE não imprime dinheiro comprando (ou emprestando conta hipoteca) titulos de dívida “nacional” mas dívida dos vários “distritos”, de forma que a politica orçamental de cada “distrito” põe efetivamente em causa a credibilidade da moeda “nacional”.

    Gostar

    • Joao diz:

      Miguel, porque a tentacao e grande quando os beneficios sao nacionais mas os riscos de crise correm em boa parte por conta da Europa, como tem de correr numa uniao monetaria.

      Gostar

      • João,

        Se bem percebo, esse comentário assume implicitamente que o euro esteve na origem da acumulação de desequilíbrios que rebentaram em 2010, através de fenómenos de free riding. Será mesmo assim?

        I mean: assumindo que foi isso que aconteceu, até que ponto é que isso é um problema do euro e não um problema das regras que o enquadram? Por exemplo: bastaria credibilizar a ameaça de que o default é possível e real para que esses comportamentos de free riding fossem mitigados. E para isso não é preciso união política, criar um quadro legal que preveja o default (como está a acontecer com a criação de uma união bancária) deveria ser suficiente.

        E até que ponto é que a situação é bem descrita por “fenómenos de free riding”? Certamente que não foi isso que aconteceu na Irlanda e em Espanha, onde os Estados tiveram excedentes orçamentais. Nestes casos, o euro pode ter estimulado a acumulação de problemas, mas certamente que não foi através de free-riding.

        O que me parece é que as críticas ao euro são variadas – ausência de mecanismo cambial, o problema do “one size fits all”, eliminação da disciplina de mercado, problemas de free riding, etc. – mas nem todos estes problemas (nem sequer a maioria, diria eu) podem ser contornados através de uma união política.

        Essa ideia assume implicitamente que a Europa acabará necessariamente por acorrer aos Estados em situação de default, gerando fenómenos de free riding. Mas isso é um problema do euro ou um problema da inexistência de um quadro legal que preveja uma situação de default? Note-se também que pelo menos em Espanha e na Irlanda não houve problemas de free riding. Em que sentido é que, nestes casos,

        Gostar

      • Joao diz:

        Pedro, vem com demora mas nao queria deixar de responder.
        O euro retirou-nos a taxa de cambio, que e um mecanismo muito eficaz para absorver choques e corrigir desequilibrios, seja qual for a origem dos mesmos. Os desequilibrios que levaram a crise na Europa tem origens diferentes consoante o pais, e claro que nao foi o free riding que causou a crise na Irlanda nem em Espanha.
        O meu ponto e que uma vez fixada a taxa de cambio os paises membros ficam muito mais vulneraveis. E para combater essa vulnerabilidade e preciso duas coisas: criar regras para tentar evitar desequilibrios e criar mecanismos alternativos para os corrigir quando acontecam. Proibir defices nacionais faz parte da primeira categoria, porque o free riding e uma entre varias fontes de desequilbrios. Estas regras e mecanismos envolvem uma grande transferencia de soberania para a Europa, e e nesse sentido que eu acho que sim, que o euro so e sustentavel com uma uniao politica. E acho que grande parte das pessoas que se revoltam contra a austeridade imposta pela Europa e ao mesmo tempo defendem o euro ainda nao perceberam que uma coisa anda de mao dada com a outra.
        Sobre a questao especifica de se evitar o free riding com um quadro legal de default, sou muito ceptico. Quando a crise aperta, e o risco de contagio aparece, a pressao sobre o Banco Central e enorme. E o facto de haver um quadro legal nao muda grande coisa. Quando houver um banco a falir na Europa cheio de ligacoes com o resto do sistema financeiro vamos dizer o que, aguentem-se porque estas perdas estao previstas na lei e todos deviam estar precavidos? E se nao estiverem? Os americanos quando deixaram cair a Lehman puseram essa teoria a prova. Acho que para limitar o free riding limitas o endividamento. No caso dos bancos, racios de capital mais altos, no caso dos Estados membros, controlo Europeu sobre os defices.

        Gostar

  3. João, são precisos dois para dançar o tango. O quadro legal ajuda a controlar os excessos dos mercados, e incentivando-os a exercer a disciplina de mercado. Já no caso dos próprios Estados eu diria que o balde de água fria dos últimos anos os deve ter imunizado contra grandes tentações nesse domínio pelo menos durante as próximas décadas. A crise da dívida pode ter sido muita coisa, mas indolor não foi de certeza. Mas mesmo dando de barato que é preciso regras orçamentais restritas, não percebo por que é que isso exige uma união orçamental – essas regras existem na Europa há mais de 20 anos. Não houve foi enforcement, mas duvido que a união política o facilitasse.

    Gostar

    • Joao diz:

      Estamos no campo da especulacao, uma uniao monetaria entre paises independentes e uma invencao Europeia (o padrao ouro e outros sistemas de cambios fixos nao sao a mesma coisa porque podem ser abandonados em momentos de crise, como foram no passado, sem o caos que seria uma saida do euro). E possivel que os Estados de repente se tornem responsaveis, mas eu dou os seguintes argumentos contra:

      – o incentivo ao free riding existe e nao desaparece por haver um quadro legal de default (o equilibrio em que a lei impoe perdas fortes aos credores em caso de default nao e subgame perfect se houver risco de contagio)
      – o incentivo e mais forte se tivermos em conta que os ciclos eleitorais sao curtos, e que os beneficios dos defices sao imediatos e que os riscos sao pouco visiveis no curto prazo
      – se olharmos para os EUA os Estados tem regras muito apertadas sobre defices, acho que nao e por acaso. E precisamente pelo facto de as regras de Maastricht existirem ha 20 anos e nao terem servido para nada que e preciso regras bem mais duras, como equilibrio orcamental nas constituicoes nacionais, como fazem os Estados americanos. A politica orcamental fica em grande parte para o governo federal.

      E para alem disto ha o problema de como fazer o ajustamento quando as crises acontecem, independemente da causa. E preciso grandes transferencias entre Estados para evitar o desemprego em massa que tivemos nesta crise. Nao acredito que esse tipo de transferencias seja politicamente aceitavel para quem as paga sem um controlo significativo sobre as politicas nacionais de quem as recebe. Esta e a tensao a que temos assistido nos ultimos anos, e resulta directamente da ausencia da taxa de cambio. Como os desequilibrios hao de continuar a aparecer, esse controlo tera de ser institucionalizado nas regras da Uniao – em areas como subsidios de desemprego, salarios publicos e pensoes, etc.

      Gostar

      • Não em convence. Por muito que haja um deficit bias na maior parte dos Governos, não me parece que esse bias aumente significativamente num contexto de união monetária. Duvido que os gregos sintam, hoje, que beneficiaram de algum free-riding e que desejam repetir a experiência (o que me parece que é o critério decisivo para saber se há moral hazard ou não).

        Mas mesmo dando de barato que o risco aumente ligeiramente, em que sentido é que isso torna a união política indispensável? Bom, a união política pode ajudar a contrariar esse risco, mas não o elimina – não é condição necessária nem suficiente. Aliás, uma boa parte dos problemas da Grécia não aconteceram por falta de enforcement das regras, mas por aldrabice do instituto de estatísticas. E colocar um alemão no ISTAT grego parece-me ir muito para lá do que uma união fiscal permitira ir. Aí já entrávamos no campo do colonialismo.

        Acho que a Madeira dá um bom exemplo. Não foi a união política do Estado com a Região Autónoma que impediu os problemas: o Governo Regional pura e simplesmente ludibriou o INE e apresentou contas falsas. O que a proximidade política permitiu foi outra coisa: uma acção rápida e decidida para estancar o problema antes que ele ganhasse maiores proporções. Se o Estado central tivesse receio de que a Madeira não ia devolver o empréstimo, provavelmente teria tido mais cuidado. Mas como há maneiras de controlar melhor a gestão que a Madeira faz dos fundos, a resposta foi mais rápida.

        “E para alem disto ha o problema de como fazer o ajustamento quando as crises acontecem, independemente da causa. E preciso grandes transferencias entre Estados para evitar o desemprego em massa que tivemos nesta crise.”

        Mas porquê? Claro que todos ficamos melhor se houver transferências em situação de crise, mas isso tanto vale para países em uniões monetárias como para países fora de uniões monetárias. Acho que a questão só faz se sentido se, por alguma razão, uniões monetárias foram mais sensíveis a problemas desta natureza – mas aí voltámos à questão de princípio, que é perceber por que é isso acontece (e se não haverá outras formas de contornar o problema – a mim parece-me que uma política orçamental contra-cíclica durante a fase de boom pode perfeitamente fazer esse papel).

        Gostar

  4. Joao diz:

    O incentivo de free riding aumenta numa uniao monetaria porque os custos da crise sao partilhados com outros paises em maior grau. Mas nao queria insistir muito neste ponto porque nao acho que seja o mais importante.
    Quando dizes que “Acho que a questão só faz sentido se, por alguma razão, uniões monetárias foram mais sensíveis a problemas desta natureza”, parece-me que temos uma visao diferente da importancia de um cambio flexivel como mecanismo de ajustamento. Isso lembrou-me um texto do Krugman que acho que explica muito bem o problema:
    http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/06/24/revenge-of-the-optimum-currency-area/?_r=0

    Nao e que uma uniao monetaria seja mais propensa a desequilibrios, a diferenca e que perde um dos principais mecanismos de ajustamento, e a falta desse mecanismo tem de ser compensada com outros mecanismos ao nivel da uniao. E dai duas coisas. Primeiro, esses mecanismos representam em si mesmos uma transferencia de poderes importantes para a Uniao. Segundo, exigem muita massa, e por isso sao dificeis de legitimar perante os eleitores sem uma centralizacao politica maior a nivel Europeu.

    Gostar

  5. João, acho que não temos visões diferentes sobre o papel dos câmbios flexíveis. Já escrevi vários posts sobre isso e parece-me que estamos no mesmo comprimento de onda nesse domínio.

    Eu só considero que os problemas que os câmbios flexíveis permitem resolver podem ser prevenidos através da política orçamental. Por exemplo, parece-me óbvio que uma política orçamental mais restritiva na Irlanda e em Espanha teria permitido não só impedir a valorização da taxa de câmbio real mas também acumular mais munições para dar uma resposta orçamental ao downturn.

    Mas obrigado pela discussão. Acho que vai alimentar um post.

    Gostar

Deixe um comentário