Há várias formas de comparar a performance económica de diferentes países após uma crise. A mais simples é contrastar as variações de um determinado indicador na ressaca da recessão, como o Produto, os salários reais ou a taxa de desemprego. Um problema desta métrica é que faz tábua rasa do passado recente. O facto de o PIB irlandês estar a crescer mais do que o PIB inglês não quer dizer que esteja a recuperar melhor; pode simplesmente resultar do facto de a recessão irlandesa ter sido mais violenta.
Para evitar estes problemas é recomendável olhar para o nível do PIB actual (por oposição à sua variação) e compará-lo com o PIB pré-recessão. Mas esta abordagem também não é perfeita, já que não leva em conta as dinâmicas pré-crise de cada país. Se uma economia cresce naturalmente a uma taxa de 8%, então é normal que dois ou três anos após a recessão tenha um PIB maior do que uma economia que cresce 2%, mesmo que a dimensão da recessão tenha sido igual. Não porque recuperou melhor, mas porque ia mais embalada antes de a recessão estalar.
Por isso, convém levar em conta não apenas a dimensão da recessão mas também o crescimento natural de cada país. Por exemplo, calculando o perfil do PIB que seria seguido caso não tivesse havido crise, e contrastando esse contrafactual com o PIB efectivo. O FMI já fez isso para uma série de países na ressaca de crises bancárias mas, ainda não vi ninguém aplicar a mesma métrica à Grande Recessão.
Pois bem, aqui vai. O PIB contrafactual é calculado com base na evolução do PIB de 2000 a 2007, obtendo-se uma imagem semelhante a esta para cada país (ou região). A partir daí, basta calcular a diferença entre o PIB efectivo e o PIB contrafactual, expresso em percentagem deste último. Uma nota adicional: utilizei o PIB per capita para anular o impacto que as variações demográficas têm no crescimento económico.
Isto é surpreendente? Em parte, sim. Em primeiro lugar, porque mostra como a própria economia americana, que tem crescido mais de 3% ao ano, continua bem longe de recuperar o caminho perdido. A diferença face à Zona Euro nem é assim tão grande (embora tenda a acentuar-se caso se materializem as previsões económicas já conhecidas para 2016).
Em segundo lugar, porque põe em evidência o desempenho paupérrimo do Reino Unido, que tem passado mais ou menos entre os pingos da chuva dos radares da maioria dos analistas. Suspeito que isso decorra de uma particularidade da ‘sua’ crise: o facto de esta ter afectado muito mais a produtividade (e os salários) do que o nível de emprego. E o emprego, como sabemos de outros períodos, costuma ser muito visível enquanto barómetro do bem-estar do que os níveis salariais efectivos.
Claro que é preciso pôr estes problemas no seu contexto devido.
Duas chamadas de atenção. Primeiro: visto daqui, Portugal nem parece em crise, mas é uma questão de escala. A Grécia tem hoje um PIBpc quase 40% inferior ao que teria no cenário contrafactual, o que obriga a aumentar a imagem. A verdade é que a diferença entre o PIBpc português está ainda 7% distante do valor que se verificaria se não tivesse havido crise.
Por que é que Irlanda e Espanha parecem tão pior do que Portugal? Tem tudo a ver que com o passado recente: na última décadas, ambas cresceram a taxas bem mais generosas do que Portugal, o que colocou a fasquia mais alta. É verdade que a Irlanda cresceu mais de 3% no ano passado e deve crescer outros tantos em 2015, mas isso é pouco comparado com a média registada entre 2000 e 2007. Por alguma razão insondável, a crise parece ter afectado não apenas o nível do PIB irlandês mas também a sua capacidade de crescer a partir daí. E isto não é fácil de explicar pela teoria económica convencional.