Há um grande e acalorado debate acerca do IVA da restauração, que subiu de 13 para 23% com o Orçamento do Estado para 2012. Se já tenho alguma dificuldade em perceber a substância do argumento – não há razão económica absolutamente nenhuma para que este sector, em particular, tenha uma taxa de imposto efectiva inferior à dos restantes serviços – fico ainda mais surpreendido com a ideia de que a subida da taxa reduziu, em vez de aumentar, a receita fiscal.
O argumento subjacente a esta crítica é que, apesar de o IVA ter aumentado em 2012, a receita total caiu. Supostamente, porque a contracção do rendimento disponível foi mais do que suficiente para compensar o facto de a taxa de imposto subir – a máquina estaria a taxar mais um bolo menor, com este último efeito a ter predomínio sobre o primeiro.
Este argumento é bastante ingénuo, não apenas porque assume uma relação de causalidade entre taxa de imposto e evolução do consumo pouco plausível, mas sobretudo porque esquece um facto crucial da política orçamental de 2012: um corte de despesa de cerca de 6 mil milhões de euros, que teria, necessariamente, de se repercutir na receita fiscal. De facto, alguns cálculos bastantes simples chegam para mostrar como estes 6 mil milhões de euros levariam, por si mesmos, a uma queda brutal na receita de IVA. Não é preciso invocar a subida da taxa para explicar o descalabro.
No caso da restauração, este o argumento parece particularmente débil, conforme se verá.
Em primeiro lugar, as informações disponíveis apontam para que a receita fiscal tenha aumentado, em vez de diminuir. Em Agosto de 2012, a receita total crescia mais de 100%, segundo informações da Autoridade Tributária e Aduaneira, relatadas pelo Sol. Se mais IVA conduzisse a menos receita, seria de esperar que o colapso da colecta fosse particularmente acentuado na restauração. Claramente, isso não acontece.
Este valor de aumento da receita é até superior àquilo que se esperaria da mera actualização mecânica de taxas, sugerindo que haverá outro fenómeno a influenciar a cobrança – muito provavelmente, um combate mais eficaz à fraude.
Em segundo lugar, a actividade no sector da restauração não parece particularmente afectada pela subida de impostos – pelo menos não mais do que o resto dos sectores dos serviços, e seguramente que não o suficiente para compensar o facto de a taxa efectivamente ter passado praticamente para o dobro.
O quadro em baixo compara indicadores de actividade para a restauração e restantes serviços, olhando para o período pré-crise e desenvolvimentos subsequentes. Não há evidência absolutamente nenhuma de que os restaurantes estejam a ser particularmente castigados, contrariando assim a ideia, bastante disseminada, de um colapso generalizado do sector. Mais importante, a contracção é claramente insuficiente para compensar o facto de a taxa de imposto ter passado de 12 para 23%.
É importante notar que estes dados são confirmados por indicadores associados, como índices de volume de emprego e remunerações, o que tornam a conclusão particularmente robusta. Ou seja: reduzir a taxa de IVA sobre a restauração implicaria, com toda a probabilidade (e como seria de esperar), menos, e não mais, receita fiscal.
“Se já tenho alguma dificuldade em perceber a substância do argumento – não há razão económica absolutamente nenhuma para que este sector, em particular, tenha uma taxa de imposto efectiva inferior à dos restantes serviços”
Um argumento tradicional costuma ser o de que a restauração, estando ligada ao turismo, está mais sujeita à concorrÊncia internacional que os outros serviços (no fundo, acabará por pertencer ao sector transacionável).
“Em primeiro lugar, as informações disponíveis apontam para que a receita fiscal tenha aumentado, em vez de diminuir. Em Agosto de 2012, a receita total crescia mais de 100%, segundo informações da Autoridade Tributária e Aduaneira, relatadas pelo Sol. ”
Seguindo o link, vejo que o aumento maior que 100% se refere à receita do IVA; mas o argumento dos defensores da descida do IVA da restauração não é de que o aumento da taxa originou uma descida da receita do IVA – é de que originou uma descida do IRS e da TSU maior que o aumento do IVA (exemplo desse argumento – http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=24&did=112738%5D, logo a receita do IVA ter ou não crescido acaba por ser pouco relevante para refutar esse argumento.
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Outra coisa que apela à curiosidade é a fórmula de cálculo da taxa de inflação. Como é que com um aumento de cerca de 10% duma das principais componentes do orçamento familiar a taxa não torce nem muge e segue próxima a zero?
E que milagre de gestão será esse que em cima duma brutal diminuição de procura impõe um dramático aumento de preços não obriga a um colapso do sector?
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Miguel, talvez estejamos a ouvir argumentos diferentes, mas a versão que eu ouço é exactamente como enuncio. Algo como: “O imposto arrecadado caiu porque a taxa de IVA aumentou”.
O argumento “alargado” (IVA + TSU + IRS) faz todo o sentido, e é rebatido pela comparação da evolução da actividade, de acordo com a qual o sector da restauração não está significativamente diferente dos restantes sectores dos serviços. Daqui extrai-se que a subida do IVA não teve um impacto muito significativo na restauração (e, por conseguinte, o seu efeito marginal na receita é positivo).
“Um argumento tradicional costuma ser o de que a restauração, estando ligada ao turismo, está mais sujeita à concorrÊncia internacional que os outros serviços (no fundo, acabará por pertencer ao sector transacionável).”
Esse é um bom argumento a favor de uma estratégia concertada de alteração da fiscalidade, do transaccionável para o não transaccionável. No contexto actual, parece-me mais uma desculpa do que uma justificação.
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Porque é que nos outros países da Europa o iva sobre a restauração é sempre inferior á taxa normal? Será que os Portugueses são diferentes? Na Grécia acaba de baixar para 13%
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Caro Atento ,explique-me porque é que um inglês que chega num iate e vai comer uma mariscada na marina de Vilamoura deverá pagar menos IVA que uns sapatos para as minhas filhas.Sendo que eu tenho um pequeno negocio explique-me porque é que eu tenho de pagar 23 % e um restaurante não. Já o iva para o golfe me faz essa impressão ,a taxa de iva deverá ser igual para todos.
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Uma curiosidade: registei um tráfego anormal neste post ao longo dos dois últimos dias. Houve alguma referência a este post (que escape aos trackers normais do WordPress)?
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Caro Nuno
Porque é que se eu for comer uma sopa e uma sande tenho de pagar 23% de iva, será um luxo? Será que todos os outros países da Europa é que estão errados e nós é que estamos certos, não me parece.
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Boa tarde Atento ,claro que comer uma sandes e uma sopa não é um luxo e uns sapatos ou uma maquina de lavar já é, ou quando precisei de arranjar o carro que me permite ir trabalhar já é um luxo, e os exemplos poderiam continuar eternamente.
Essa é a minha duvida ,em que é que a restauração se permite pensar que é melhor que os outros,promove mais empregos trás mais turistas, no que? É que eu ainda não vi qualquer diferença entre o emprego que cria um restaurante e uma loja de roupa nem encontrei algum turista que diga que veio para Portugal porque uma sopa e uma sandes custa 5,70 euros em vez de 6 euros.
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Olá Nuno
Pois eu lido muito muito com turistas e se há sector com excelente relação preço-qualidade em Portugal é a restauração. O problema é que existem muitas empresas de restauração que estão no limite da sobrevivência e se o iva baixar as margens aumentam, permitindo manter postos de trabalho. De qualquer maneira gostava que me explicasse porque é que nos outros países da Europa o iva na restauração é mais baixo?
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Atento não te sei explicar porque é que o iva da restauração é mais baixo na Europa, mas sei que é extremamente injusto eu ter que pagar 23% nas vendas que faço e o restaurante em frente a mim pagar só 13 . Se de facto existir algum beneficio para a economia (para alem do bolso dos donos de restaurantes) e de facto o Pedro Romano mostra aqui que não vai haver qualquer beneficio ,então que se beneficie toda a economia e não apenas uma parte e se baixe o iva em todas as actividades.
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